Machado de Assis.

Estou só. Ouço bater o mar que se quebra na  praia cinquenta passos de mim. É o único rumor que nesta hora quebra o silêncio da noite. Fora desse, sinto apenas o leve ruído da caneta que corre no papel. Escrevo sem assunto e em busca de assunto. Que há de ser?

Quero entranhar-me no mundo da reflexão e do estudo, mas o meu coração, solteiro talvez, pede-me versos ou imaginações. Triste alternativa, que para nenhuma resolução me guia! Este estado, tão comum nos que realmente se dividem entre sentir e pensar, é uma dor da alma, é uma agonia do espírito.

Onde eu estou vejo o mar; a noite é clara e deixa ver as ondas que se vão quebrar à areia da praia Uma vez solto, onde irás tu, meu pensamento? Nem praias, nem ondas, nem barreiras, nem nada; tudo vences, de tudo zombas, eis aí livre, a correr, mar a fora, em busca de uma lembrança perdida, de uma esperança desenganada. Lá chegas, de lá voltas ermo, triste, mudo, como o túmulo do amor perdido e tão cruelmente desflorado.

Que é o presente em tais casos? O vácuo e o nada; no passado o luzir leve e indistinto quase de uma curta ventura que passou; no futuro a estrela da esperança cintilante e viva, como  a lâmpada eterna. Onde estamos uma ânsia sem tréguas uns íntimos impulsos a ir buscar a felicidade remota e esquiva. Do passado ao futuro, do futuro ao passado, como este mar que envolve a praia agora., tão é a vacilação do espírito, tão é a vida ilusória do meu coração.

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