Depois do temporal

Depois do temporal


(Eu te esperarei)              





A chuva insistia; céu acinzentado. Uma tarde fria. Pessoas encapadas, algumas caminhavam apressadamente ao longo da calçada carregando seus guarda-chuvas, o trânsito irresolutamente congestionado.



Era quase impossível identificar quaisquer edifícios vistos ao além, os tons opacos, postos à intensidade do aguaceiro. Ventos uivantes voavam enfurecidos, iam e vinham para, em seguida, rasgar-se nos altos dos arranha-céus da cidade.

Do vigésimo quinto andar, Lorena Priatra observava impaciente, através da vidraça do escritório de seu trabalho, aquele clima atípico. Era fim de expediente e ela precisava voltar para casa, como de costume, em um ônibus coletivo. Mas como? Se a avenida estava parada por consequência da forte chuva.



A jovem completara vinte e seis anos no mês passado. Seu perfil psicológico era traçado por uma incrível sensibilidade aos problemas alheios; em algumas vezes impressionava aos seus colegas. Era bonita. Tinha os cabelos negros e escorridos, que davam até os ombros. Seus olhos eram cinza e penetrantes; não possuía o corpo de uma modelo, mas era esguia e elegante. Sua personalidade era simples e seu caráter era magnânimo. Começara a trabalhar desde cedo para ajudar a seus pais na economia do lar. Fez Faculdade de Administração e há um ano ocupara o cargo de secretária. Trabalhava para um advogado bem sucedido: Dr.Lúcio Solano. Um homem público que fazia sempre frequência aos meios políticos e a alta sociedade. Em seu aspecto físico aparentava meia idade. Não se importava com sua aparência, pois estava acima do seu peso normal. Assumia sua calvície como também os seus cabelos brancos. A cor de seus olhos fazia lembrar o céu nas tardes quentes de verão. Tinha a face rosada e a barba sempre por fazer. Era modesto, simpático e altruísta. Viúvo há sete anos, ele jamais encontrara alguém que substituísse a sua Amanda. Tinha um filho a quem Lorena ainda não conhecia. A secretária, por sua vez, apenas ouvia os comentários do advogado. E desde então, a impressão que o Dr. Lúcio dava a sua auxiliar era de que pai e filho entravam em constantes atritos. Para o patrão, Lorena se tornara sua fiel confidente e grande amiga.



Por outro lado era difícil para o Dr. Solano separar sua profissão dos conflitos domésticos, mesmo sabendo que um advogado deve manter a postura estável e segura.



De volta ao momento pluvial. Lorena apressava-se para enfrentar a chuva que persistia até a noite. Estava desprovida de guarda-chuva ou de um agasalho, de certo sua alternativa faria com que se molhasse na caminhada até o ponto de ônibus. No entanto, Dr. Lúcio, a contradizer todos os preceitos e preconceitos sociais, veio de encontro para prestar-lhe ajuda.



­ Não quero que a minha secretária apanhe um resfriado, para não ter a desculpa de faltar ao trabalho, pois não tolero falta! A não ser que aceite a minha carona, - disse o advogado com sua voz cativante.

A jovem virou-se para ele, e com a face iluminada por um sorriso. agradeceu-lhe:





­ Obrigada, o senhor não sabe o quanto me sinto aliviada.

Os dois caminharam até a porta do elevador em silêncio e permaneceram assim até o estacionamento.



Parecia, entretanto, que naquele dia ninguém conseguiria chegar ao seu destino. O trânsito parou e as ruas ficaram alagadas.



No interior do automóvel, Dr. Lúcio dedilhava no volante, tomado pela irritação e pela impaciência por estar ali parado por entre outros veículos.



­ Droga! Sempre quando chove esta cidade se transforma num... num... caos! Oh! Lorena, queira me desculpar... É que às vezes eu me descontrolo quando penso em meu filho Israel. Espero que ele esteja bem em casa.



Como sua confidente, Lorena não poderia negar-lhe apoio e compreensão; Notou que era o momento de deixar seu chefe desabafar toda a sua frustração. Ele, por sua vez, baixou a cabeça lentamente, parou um pouco, em seguida virou-se para ela e contestou:



­ Não, você não tem a obrigação de tolerar meus problemas familiares.

­ Doutor Lúcio, sou sua secretária, mas acho que nos tornamos amigos. Se eu puder ajudá-lo, conte comigo.

­ Ah! Lorena, é o problema de sempre. Aquele garoto está a me deixar na flor da pele - o advogado fez uma pequena pausa, enquanto a moça o aguardava desafogar suas mágoas.

­ É que ele às vezes me diz palavras tão duras, palavras desse sentido: de que não sou seu pai. Tenho consciência de que o culpado fui eu por ter mimado demais aquele menino.



Perplexa, sua secretária silencia diante daquela situação. “Como é que um pai não sabe lidar com um filho rebelde?” - pensou ela.



Naquele momento os veículos começaram a se movimentar nas rodovias, porém a formar uma longa fila que parava a todo o instante.



­ Acho que o senhor deveria ser mais seguro, sabe? O senhor precisa de mais pulso diante desse garoto. Desculpe, mas esta é a verdade.

­ Você tem razão. Mas é que ele é meu único filho, talvez seja a minha fraqueza. Depois que perdi a Amanda, eu cumpri com dois papeis: o de pai e o de mãe. E eu seria incapaz de fazer algo que pudesse magoar o Israel.

­ Dr. Doutor... o senhor sabe mais do que eu que amar é também saber controlar a sua prole. Tente ser firme com ele. Esconda o seu lado fraco.

­ Reconheço que sou um advogado que já conquistou muitas vitórias em meu estrado profissional, no entanto, como pai eu fracassei.



Depois de horas de transtornos no trânsito, finalmente os dois chegavam ao seu destino final. Lúcio Solano estacionou seu carro ao lado da residência de Lorena e buzinou para que alguém de seus familiares viesse a receber. Sua mãe abriu a porta da casa e logo avistou sua filha saindo do veículo. Lorena agradeceu ao seu chefe e se foi.







­ Olá, mãe! _ disse Lorena, beijando a face daquela senhora.

­ É, mãezinha, hoje só os peixes sobreviveriam com tanta água...

­ Mas graças a Deus que você chegou. Eu já estava preocupada. Por que você demorou assim pra chegar?

­ A senhora já sabe. O trânsito parou em consequência da chuva.

­ Agora só estou preocupada com seu irmão que ainda não chegou do trabalho.

­ Não se preocupe, mãe. Pietro logo chegará.



Lorena se dirigiu ao banheiro para tomar um banho bem quente na ducha. Ela foi rápida, pois sua vontade era de saciar sua fome e depois descansar.

O jantar estava posto à mesa. Tomou uma tigela de sopa , se deliciou com uma fatia de melancia, ricota, geleia e torradas.

Depois de alguns minutos já estava ela sentada ao lado do seu pai, o qual lia seu jornal concentradamente.



­ É, “ panhê”, posso ate imaginar a manchete de hoje: chuva e transtornos.

­ Acertou! Só se fala sobre a chuva do Rio de Janeiro _ disse o velho, sem tirar os olhos daquilo que lia.



Quando Pietro chegou do trabalho já era em tarde. Passava da meia-noite. Todos se encontravam na sala ansiosos e aflitos devido a tardia do rapaz



­ Oh! Meu Deus! Coitado do meu filho. Todo ensopado de água da chuva.



Dona Cândida, como era chamada, compadeceu-se ao ver seu filho naquele estado.



­ Pobre filho... Tome um banho quente antes que apanhe um resfriado.



Pietro parecia irritado a empresa onde trabalhava só o liberou para casa bem mais tarde.

Agora, já reunida, a família Priatra aproveitou para comentar os acontecimentos o dia.

Mais tranquila, dona Cândida pôde se recolherão seu aposento. Seu Antonio resolveu acompanhar a sua mulher.

E os dois irmãos que estavam dispostos a conversar permaneceram na sala-de-estar , acomodados no sofá que ficava ao lado de um janela de vidro.



­ Sabe, maninha, a Laura me disse que vai se casar com o Carlos, funcionário de lá da empresa.

­ É... Fico feliz por eles. Só lamento a mim mesma por não “desencalhar” nunca.



Sensibilizado, mas não pelo o que acabara de ouvir e sim pela carência amorosa a qual sua irmã afirmava ter, por isso recorreu para abraçá-la e contestar seu dito infeliz.



­ Não fale assim! Você bem sabe bem mais do que eu que há uma fila de pretendentes suspirando por ti.

­ Bem... É que eu acho tão difícil encontrar alguém que se identifique comigo, alguém que tenha os mesmos sentimentos, os mesmos ideais.

­ Você me impressiona, mana, mas acho que deveria mudar os seus conceitos. A Laura lhe deve se vai se casar. Foi você que a ajudou a segurar do inicio ao fim aquele romance. A Laura me disse que você é uma amiga muito especial para ela.

­ É , eu acho que a minha missão será sempre a de ajudar ao próximo.

­ Meu sono chegou. Vou dormir. Boa-noite, Lorena.

­ Boa noite. Descanse bem.



Embora ainda cansada, a moça se dispôs a assistir a um filme na TV, mas foi impossível ver até o final, pois o sono roubou-lhe a consciência. E ali mesmo, sobre o sofá, ela adormeceu.



Amanheceu. Lorena foi acordada por um pequeno raio de sol que vinha da fresta da janela de vidraça, decorada por cortinas de renda que se encontravam semi-abertas.



Queria ficar deitada mais um pouco, entretanto sabia que precisava chegar ao escritório às oito. Levantou-se para abrir as cortinas e para admirar aquela manhã que nascera tão irradiante após um dia de chuva prolongada. Inspirou profundamente e eliminou o gás carbônico em torno de um sorriso. Observou cada detalhe da rua: os paralelepípedos ainda estavam molhados, algumas poças d águas ainda resistiam trabalhadores que caminhavam apressados para não perderem o próximo trem, também ali por perto ela pôde admirar um grupo de estudantes em risos juvenis, a alameda que ainda respingava quando o vento soprava, um gritinho do bebê do vizinho chamou-lhe a atenção. Desta vez o céu estava azul convidativo e generoso. Lorena sentiu uma profunda paz tal qual inocente e terna. Dentro do seu intimo se fazia pensar que aquele dia nascera só para ela. Sua atenção foi desviada quando ouviu a voz de sua mãe.



­ Bom-dia! Acordou hoje mais cedo, filha?

­ Eu adormeci no sofá e nesta manhã meu amigo sol “veio me chamar”.



Depois do café da manhã Pietro, que estava atrasado para o trabalho, saiu apressado. Em seguida era a vez do Sr. Antonio que tinha uma barraca onde vendia legumes e verduras na feira.



Lorena fitou aquela figura de pai, tão forte, tão humilde, mas rico em sabedoria. A jovem se orgulhava por sua família sem se esquecer de sua mãe, a rainha do lar, criatura tão dócil e dedicada dona-de-casa. E contrastou com a família de seu chefe. Tomou o café da manhã em diálogos com a mãe e depois seguiu para o trabalho.



Acenou para o ônibus, e com muito esforço conseguiu adentrar no veiculo superlotado por trabalhadores e estudantes. Embora fosse sua rotina, Lorena aceitava os incômodos do cotidiano, porque mesmo com sua carência financeira, se sentia muito feliz.



Minutos após minutos, tomar o elevador; abrir a porta do escritório, porém a porta já estava aberta. Assustou-se ao perceber que o Dr. Lúcio havia chegado antes dela. Estava sentado ao lado da mesa executiva a analisar alguns processos. A secretária entrou e fechou a porta lentamente.



­ Bom dia, Dr. Lúcio! Desculpe. É que eu não sei se meu relógio atrasou ou o senhor chegou mais cedo...

­ Você não tem o que se desculpar. Fui eu que resolvi chegar mais cedo para adiantar algumas petições. Por favor, apanhe meu not book, ali na outra mesa.

­ Estou defendendo uma causa muito difícil. Uma senhora muito rica faleceu e passou todos os seus bens para os seus cinco gatinhos. Só que ela tinha um filho que, provavelmente, seria seu único herdeiro, o Sr. Marcos Torres. Este, por sua vez, abriu processo de impugnação na Justiça, e eu estou trabalhando ao seu favor.



­ Uau... Eu gostaria de ter sido um daqueles felinos. E quando os gatos... e quando os gatos vierem a morrer? _ Lorena demonstrava certa perplexidade e curiosidade pelo caso.



­ Os bens irão para o canil _ explicou o doutor.



­ Esse tal de Marcos não deveria ter sido um bom filho ou a Sra. Torres padecia de algum distúrbio psicológico.



­ Não sei, mas estudo esta possibilidade de que a falecida sofria de alguma anormalidade apática ao ser humano.



­ Talvez ela tivesse um psicanalista _ proferiu Lorena entusiasmada pelo caso.



­ Aquela família é claustrófobica demais. Será um árduo trabalho, o qual terei que provar a Justiça a incapacidade mental da Sra. Torres.



O ambiente foi tomado por um grande silencio. Lorena aproveitou a oportunidade para recomeçar o seu trabalho.



Enviou vários e-mails aos clientes inadimplentes. Por instantes parou para refletir os conflitos domésticos: por um lado um filho que menosprezava o pai; por outro, a própria mãe é quem desestimava o próprio filho.



­ “ Ainda bem que tenho uma família em perfeita união” _ e respirou com um certo alívio



Nesse dia ela decidiu trabalhar sem intervalo para o almoço. Pretendia deixar tudo em ordem e facilitar a atividade para seu chefe.



Absorto em seu trabalho, Dr. Lúcio só foi de dar por conta de que os dois não haviam digerido nada durante o expediente de trabalho quando passou das quinze horas.



­ Lorena... acho que trabalhamos o bastante nesta tarde. Vamos encerrar tudo isso para almoçarmos, e se me permite, gostaria que me fizesse companhia esta tarde.



A moça concordou em um leve sorriso.



Não tardou muito e o casal já estava em um restaurante muito frequentado por grandes empresários e por magistrados.



Dr. Lúcio alem de um excelente profissional, também era um ótimo cavalheiro. Deixou o cardápio por conta da jovem.



­ Vamos, Lorena, pode escolher! O almoço fica a seu critério.

­ O senhor é muito gentil, mas eu não quero decepcioná-lo _ Quase encabulada Lorena só conseguiu murmurar algumas palavras.

­ Confio plenamente em seu bom gosto. Vamos!

­ Bem... Escolherei este aqui no menu: tagliatti escuro com lagosta.

­ Ótimo! Eu também aprecio a gastronomia italiana, e este prato combina muito bem com um Riesling bem fresco e seco.

­ Noto que o senhor sabe combinar muito bem um certo prato a um bom vinho.



Desta vez, o advogado aparentava estar mais calmo, muito diferente do dia anterior, longe de preocupações. Ele observava a sua secretária com certa doçura, como se fosse algo inesperado, inexplicável.



­ Lorena..._ ele se interrompe receoso.

­ Lorena, eu tenho um profundo respeito por tié não tenho a intenção de ofendê-la, porem se é realmente minha amiga saberá me perdoar.



Ele pausou para encontrar forças e concluir sua confissão.



­ Quer se casar comigo?



Foi uma pergunta surpreendente. Sua acompanhante quase se engasgou com o vinho. Perplexa, a moça quase não conseguiu expressar-se.



­ Doutor, Dr. Lúcio, não sei como lhe responder... Eu...

­ Está bem! Desculpa! _ A expressão facial do advogado era de frustração e de vergonha.



No entanto Lorena pensava: aquela era a sua chance de sair da vida de solteira a que tanto a incomodava.



­ Não! Para mim é glorificante ouvir isso de alguém tão maravilhoso quanto o senhor. Só que... Bem, eu acho que nós dois, quero dizer que nunca ouve nada entre nós alem do profissionalismo e amizade.

­ Você quer dizer que não nos amamos conjugalmente. Eu compreendo. Dizem que a paixão geralmente vem com a convivência. Por favor, vamos tentar...Eu preciso de você.



A jovem se viu insegura, mas como negar ao pedido de um homem que lhe dera tanta confiança.















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CAPÍTULO II



Dr. Lúcio esperava apreensivo por sua breve resposta, contudo tentou contornar a tensão da qual havia causado.



­ Olha, se quiser não precisa responder agora. Pense direito.



Ela lhe sorriu dizendo:



­ Acho que não é difícil amar alguém como o senhor. Eu aceito o seu pedido.



O advogado deixou transparecer toda a sua alegria. E em seguida chamou o garçom para pagar a conta.



Os dois saíram do restaurante e as formalidades ficaram postas de lado, embora o sentimento de respeito predominasse. Mesmo acanhado por sentir que seus afetos eram ainda de patrão e secretária, Lúcio Solano esforça-se para segurar a mão de Lorena.



Lúcio achou melhor deixar a moça em sua casa. E logo o casal já estava em frente à casa da jovem. Antes que ela fosse embora, o advogado tocou seus lábios nos dela. Lorena se despediu e seguiu em caminhadas frenéticas.



Já em casa, ela não se conteve de tanta alegria.



­ Mãe, a senhora nem imagina, mãe... Eu fui pedida em casamentôôôô....



Seu pai e seu irmão Pietro também estavam ali presentes. Todos que ali estavam entreolharam-se receosos. A futura noiva não percebeu que havia provocado um clima sombrio em sua família o que não foi a sua intenção.



­ Eu nunca lhe vi com um namorado; e como é que você vai se casar? _ contestou seu pai.

­ Filha, será que você...Oh! Meu Deus! Está grávida? _ sua mãe lastimou.

­ Não, gente! Sei que eu trouxe uma noticia surpreendente, até mesmo para mim, porque eu também nunca mantive romance com essa pessoa.

­ Não estou me agradando com essa historia. Por que não trouxe ele para cá para pedir o meu consentimento?

­ Ora, pai, claro que ele virá aqui falar com vocês. E eu acho que já estou bem crescidinha para tomar minhas próprias decisões.

­ É quem é o felizardo, mana?

­ É uma pessoa maravilhosa. Tenho a certeza de que vocês irão gostar dele. Quero fazer uma surpresa ate o dia do pedido oficial.



Passou-se uma semana. Lorena e Lúcio Solano conversavam no mesmo restaurante.



­ Não quero ser exigente com você, querida, no entanto prefiro que o nosso matrimônio seja sem cerimônia religiosa. Em resumo: gostaria que o nosso matrimônio fosse secreto. Apenas seus pais estariam presentes.



A moça ficou emudecida, sem compreender a razão do misterioso casamento.

­ Você tem todo o direito de estranhar, mas eu quero me casar o mais rápido possível.



Desta vez a voz de Lúcio soava como se estivesse impregnada de rancor. Ao sentir que estava tenso, moderou sua voz, quase em sussurros e prosseguiu;



­ Quero preparar uma grande surpresa para a minha família



Lorena o encarou seriamente.



­ Só que o senhor...

­ Por favor, Lorena, já somos íntimos...

­ Desculpa! Eu preciso me acostumar com essa ideia. O que eu quero dizer é que você não sabe se esta surpresa será agradável ou não para a sua família.

­ Querida, não há o que temer. Para ser mais específico, minha família é o meu filho. Isto por enquanto _ disse Lúcio a segurar as mãos da noiva.



­ Agora entendo. Você quer alguém que possa cuidar do seu filho.



­ Não é bem assim. Eu preciso de alguém que possa dirigir a casa onde moro. Alguém de personalidade determinada e compassiva; encontrei isso tudo em você.



­ Lorena sorriu para o advogado e acrescentou



­ Alguém de personalidade, mas que tenha muita calma para lidar com o filhão.



Naquela noite os pais de Lorena ficaram honrados por conhecer o Dr. Lúcio. Pietro os homenageou abrindo uma garrafa de champanhe.



­ Vamos saudar a família Priatra juntamente com a família Solano. E que vivam os noivos _ exclamou o irmão da noiva.



Embora de classes sociais diferentes, Dr. Lúcio se apresentou de maneira simples e sem formalidades. O advogado dirigiu-se a seu Antonio e a dona Cândida para explicar de como seria o seu inusitado casamento. Os pais da moça estranharam, mesmo assim não se opuseram por saberem que ali se tratava de um homem que poderia fazer sua família feliz.



Um pouco mais distante do diálogo dos três, Pietro e Lorena conversavam.



­ Maninha, não quero estragar sua festa, mas estou preocupado com a sua felicidade.



Sua irmã indignada o encarou.



­ Você diz isso porque estou me casando com um homem que tem o dobro da minha idade?! Que preconceito mais ridículo, meu irmão!

­ Sabe, é que me deu uma ligeira impressão que você não o ama.

­ É como você disse: é só impressão.



Lorena lhe sorriu e foi de encontro ao noivo, deixando para trás o seu irmão um tanto confuso.











CAPITULO III







Uma sequência de dias transcorriam, trazendo sempre um novo começo.



Lorena e Lúcio já estava casados . E como combinado: a cerimônia foi secreta.



As águas do rio refletiam a luz prateada da lua. O passeio de gôndola era real, mas que, para Lorena, parecia um sonho. Ao seu redor, muitos casarões antigos que concorriam espaços espaço com as catedrais venezianas, além de muitos casais apaixonados a navegar em outras gôndolas. Agora quem estava ali ao seu lado não era mais o chefe. Ele era, sobretudo, o seu homem, o seu amado, o seu esposo.



­ O que acha disso, Lorena? _ perguntou ele.

­ Uma maravilha! Gostaria que todos estivessem sentindo o que sinto agora: uma imensa felicidade... Veneza é um encanto. Eu vivo um conto de fadas e você é o meu príncipe.



Lúcio parou para admirá-la.



­ Sabe, minha querida, você me fez sentir mais jovem e muito venturoso por ter ao meu lado uma mulher linda, inteligente e de bom caráter.



O gondoleiro remava com tranquilidade pelos canais de Veneza. Turistas registravam em suas câmeras fotográficas cada detalhe daquele panorama poético, fascinante cuja arquitetura de uma antiga civilização encantava o homem moderno.



O casal foi conhecer, em seguida, algumas catedrais. Lorena encantou-se ao conhecer alguns quadros pintados por grandes artistas da época.



­ É uma obra barroca, criada por Barromini em meados do século XVII, que floresceu no ultimo período do Renascimento. – explicou Lúcio.



Lorena suspirou. Horas, depois os dois foram sentar à beira do cais. Na condição de esposo, Lúcio procurava exprimir seu romantismo diante da jovem esposa.



­ Minha doce rainha, agora sou seu cavaleiro servente.



Seu ex-chefe a tomou pela cintura e fixando seus olhos azuis penetrantes nos olhos dela e assim ele a beija com ternura, com desejo. E a moça o retribuía na certeza de que um dia seu sentimento será recíproco.











CAPÍTULO IV





Passaram-se duas semanas e Dr. Lúcio mais Lorena já estavam de volta.

Agora a ex-secretária teria um novo lar e ansiava conhecer p tal garoto que por ventura dera tantas dores de cabeça ao seu pai. Estava insegura, porém determinada a enfrentá-lo. Em frente ao portão do jardim da casa uma empregada alta e magra, a qual aparentava cinquenta anos, veio os receber. De imediato ela se ocupou de conduzir as malas para o interior da residência. O advogado aproveitou para interrogar a assistente doméstica sobre o seu filho.



­ Olha, Dr. Lúcio, aquele menino não é de ouvir conselhos. Saía pela noite e só chegava ao amanhecer.

“ Meu Deus! Um garoto!Como um pai pode permitir que uma criança fique fora de casa por tanto tempo e sozinho?”- chocada, Lorena pensou.



­ Cadê ele? Está em casa? – indagou Lúcio com certa indignação.

­ Está, senhor.



Já no interior do domicílio, Lorena não pôde deixar de observar cada detalhe daquela casa que mais se parecia com uma mansão: os moveis em estilo contemporâneo, envoltos por objetos trazidos de outras culturas, cinco porcelanas chinesas, um tapete persa que cobria a escada de mármore em forma de espiral. Uma parte da parede era tomada por uma enorme janela de vidro envolvida por elegantes cortinas italianas bordadas a fios dourados reluzentes, os estofados revestidos por luxuoso cetim acobreado. Através da vidraça era possível o suntuoso jardim bem cultivado, onde as azaleias, as rosas e as orquídeas finalizavam com um toque nobre de primavera. Pela lateral da mansão, um jardim de inverno e nos fundos, uma grande área de lazer, com piscina e quadra para esportes.



Rute havia se ausentado para chamar o filho de seu patrão. Após meia hora ele aparece.



­ Pai, aonde você esteve durante todo esse tempo? Posso saber o que andou aprontando?



Lorena ficou paralisada ao descobrir que aquele “garoto” já não era tão garoto assim. E jamais presenciou uma cena tão inusitada e constrangedora: o rapaz usava apenas uma cueca branca. A moça, encabulada, baixou seu olhar. Ele descia as escadas em coletivos protestos.



­ Israel, você perdeu a compostura!? Vá se vestir! Quero ter uma conversa contigo! _ Lúcio foi firme e decidido.

­ Eu não sabia que estava com visitas. Diz logo o que tem a me dizer!

­ Não! Primeiramente, vá se vestir!



Israel seguiu para seu quarto, enquanto Lorena sentava no sofá a manifestar a sua indignação.



­ Não, você não me disse que seu filho já era um homem. Lúcio, você omitiu isso de mim, fazendo com que eu imaginasse que Israel fosse ainda uma criança.

­ Perdoe-me, querida! Eu...não sei como lhe explicar. Acho que ficaria envergonhado se você soubesse que meu filho já era bem grandinho para fazer o que faz, mas meu filho tem apenas vinte e um anos e, para mim, ele ainda é um garoto. Perdoe-me mais uma vez...não era a minha intenção envolvê-la neste clima desagradável.

­ Eu acho... – Lorena foi interrompida bruscamente.



O casal se voltou para Israel que descia as escadas. Desta vez mais composto. Vestia uma calça jeans e camiseta manga curta. Era alto e tinha um corpo atleta. Cabelos castanho-escuros cujo comprimento beirava o lóbulo das orelhas. Sobrancelhas longas e escuras. Geneticamente tinha os olhos azuis de seu pai. Era um belo rapaz, mas de comportamento hostil.



Dr. Lúcio preparou-se para as apresentações.



­ Israel, esta é Lorena...a Sra. Solano, minha esposa.



O rapaz encarou o casal e sua expressão era de raiva, de revolta, protestando em seguida:



­ Eu sabia que você não era meu pai, pois um pai não comete tamanha atrocidade a um filho. De uma coisa eu tenho certeza: é de que ela jamais irá substituir a minha mãe..



Em passos apressados, o jovem seguiu para a rua, deixando Lorena pasmada. Seu esposo tentou contornar a situação desculpando-se mais uma vez.



­ Oh! Querida! Preciso contar contigo para que eu encontre forças para lidar com Israel.

­ Não precisa se desculpar! Eu me esforçarei para ser uma ótima amiga de seu filho.



No dia seguinte Lorena fez uma breve visita aos seus pais que comovidos pela saudade, vieram a receber com um forte abraço. Pietro que estava no trabalho chegou logo depois e não se conteve em abraçar sua irmã rodopiando com ela pela sala, deixando-a quase tonta. Havia muitas novidades a serem ditas e a moça só foi embora quando entardeceu.



Ao chegar a casa, seu marido ainda não tinha chegado do escritório e se viu solitária. Procurou por Rute, uma vez que a assistente doméstica, por trabalhar a anos para aquela família, já fazia parte dela, achou conveniente discutir a relação de Lúcio com seu filho.



­ Rute, diga-me a verdade: Israel sempre agiu de forma tão severa com seu pai ou ele carrega algum trauma depois da morte da mãe?

­ Quando pequeno aquele menino era muito mimado pela mãe. O Dr. Lúcio trabalhava demais e quase não estava presente ao lado do filho. Quando Dona Amanda faleceu Israel sofreu muito e ele atribuiu a causa da morte da mãe ao pai. Acho que ele nunca superou o trauma de ter perdido a mãe até hoje.



Um ruído brusco vindo da porta da rua fez chamar a atenção das duas. Era ele, que desde o incidente da noite anterior não havia surgido em casa. Passou pela sala em silencio, cheirando a álcool e lançando seu olhar de desprezo sobre as duas e seguiu até a cozinha.



Passaram-se algumas horas e logo Dr. Lúcio também já estava presente.



­ Estou precisando de uma nova secretária

­ Que não seja por isso. Eu quero voltar a ser a sua secretária. – disse Lorena ao abraçar o seu esposo.

­ Querida, não precisa se preocupar com isso. Você já é a secretária do nosso lar.

­ E aquela questão da Senhora Torre e seus cinco gatinhos, como ficaram?

­ O processo ainda está em andamento, mas estou confiante na vitória.





A semana parecia correr rápida, e naquela manhã de sexta-feira Lorena se dispôs a fazer uma inspeção por todos os cômodos da casa. Apenas o quarto de Israel estava em perfeita desordem. A moça não hesitou. Chamou a sua assistente e lhe propôs uma condição; o seu enteado teria que, a partir daquele dia, arrumar seu próprio quarto, sem a ajuda de ninguém.



­ Eu acho que Israel não vai atender ao seu pedido, dona Lorena.

­ Eu já disse que não quero ver ninguém arrumando este quarto, a não ser aquele garoto!



E o dono daquele quarto estava ausente e quando chegou Lorena seguiu em sua direção.



­ Garoto, preciso falar com você. Sabe que o ser humano não conseguiria viver sem regras. Por isso quero que saiba que as coisas vão mudar nesta casa, a começar de hoje: você irá arrumar seu quarto todos os dias. O almoço e o jantar serão servidos nos seus respectivos horários determinados por mim. E se você se atrasar vai almoçar na cozinha e lavar a louça que sujar.



Israel pôs-se a rir ironicamente.



­ Vejam só quem quer me dar sermões... Nem mesmo minha mãe agia assim comigo. Você pensa que sou ingênuo.



Ele calou-se por alguns instantes para respirar mais fundo e logo em seguida prosseguiu.



­ Garotas não se casam com homens muito mais velhos apenas por amor. Há sempre aquele jogo de perde-ganha – a voz do rapaz soava ríspida e seu olhar lançava reprovação àquele casamento.

­ Veja como fala comigo. Eu sou sua madrasta – disse ela indignada.

­ Madrasta!? Ah! Não me faça rir novamente



Israel subiu as escadas em longas gargalhadas, enquanto Lorena tentava controlar sua raiva.



À noite, Lúcio Solano chegou do trabalho com a aparência visivelmente abatida. Sua esposa foi ao seu encontro, e ele comentou em um tom amargurado.



­ Eu fui derrotado. Pela primeira vez em minha vida, fui derrotado. Aqueles cinco gatinhos venceram a questão.

­ Querido, isso não é motivo para você se amargurar. Nem todos os advogados conseguem colecionar tantas causas ganhas quanto você. Meu campeão! – e ela o beija com carinho.

­ Ah! Querida... Ele a abraçou – só você me faz sentir invulnerável diante dos imprevistos da vida.



Logo após aquele lamentável incidente, o jantar foi servido em um horário determinado por Lorena. E como sempre, Israel não estava presente. Seu pai adiantou-se para chamá-lo pelo celular, no entanto foi detido por sua esposa.



­ Não! Deixa-o! Israel já sabe das regras para o almoço e para o jantar.



Vários dias se passaram e aos poucos o rapaz aprendia o novo regime, imposto por sua madrasta, embora continuasse com o mesmo comportamento agressivo. Certo dia, seu pai o chamou em particular para uma conversa de homem para homem.



­ Filho, está na hora de basta nesta vida promiscua, terminar sua faculdade e arranjar um bom emprego.

­ Minha vida não é promiscua porque eu não curto drogas, você sabe disso. E porque agora acha que eu deva continuar o estudo se você nunca se importou com isso?

­ Israel, você não ficará toda a vida a depender de mim. Terá que alcançar status e depois se casar.

­ Que conversa mais sinistra. Depois que trouxe aquela mulherzinha pra cá deu pra ficar falando asneiras.

­ Olha o respeito! E o que eu lhe digo é um conselho de amigo – Lúcio o alertou.



No dia seguinte o advogado voltou do trabalho com uma grande novidade.



­ Pessoal, trago uma notícia e espero que seja agradável a todos. Eu acabei de me candidatar a deputado estadual.

­ Que maravilha! Lorena exclamou e só desfez de sua alegria quando soube que seu marido teria que fazer várias viagens por razão dos comícios os quais seriam realizados em várias cidades do Rio de Janeiro.























CAPÍTULO V





Sucessivos dias se passaram até o momento em que Lúcio Solano partiu para outra cidade na busca de seu sonho político. Era uma quinta-feira e Lorena estava só. Rute havia saído para assistir à missa e depois passaria a noite na casa de sua irmã. E Israel, como sempre, na rua. O relógio marcava onze horas da noite e, para atenuar a sua solidão, ligou a TV para não perder a novela. De repente percebeu que alguém abria a porta principal. Ela logo imaginou que fosse Lúcio e correu para recebê-lo. Porem, seu anseio foi morrendo quando deparou com Israel a exalar álcool.



­ Por que me olha desse jeito? Com certeza deve estar se perguntando se eu uso narcóticos. Eu apenas bebo! B.E.B.O.!

­ De qualquer forma você está se autodestruindo.



Lorena voltou para assistir à sua novela na sala-de-estar. Mas audácia de Israel foi bem mais longe: desligou a televisão na presença da madrasta contestando com arrogância em seguida.



­ Eu quero assistir aos meus vídeos. Vá assistir às suas novelas em seu quarto!



A madrasta levantou-se do sofá bruscamente, já vermelha de raiva, protestando em seguida.



­ Você não se atreva desligar a TV em minha frente!

­ Eu já disse: vá para o seu quarto e me deixe em paz!



Lorena se retirou para seu aposento. Não chorava, contudo sentia um ódio inconsolável. Seu desejo era de esmurrar a cara de Israel. Permaneceu estendida sobre a cama e por fim adormeceu.



No dia seguinte ela se levantou mais cedo e já estava na cozinha a frigir dois ovos para o café da manhã. Rute não havia chegado por esse motivo Lorena se dispôs a lavar as louças. E para espantar a sua solidão ela cantarolava enquanto ensaboava os pratos. Percebeu que tinha alguém por trás a observá-la. Já sabia que era o seu enteado e já estava se acostumando com o insulto dele. Porém não deu importância a isso e continuou com sua atividade.



­ Eu a quero...



Lorena franziu a testa após duvidar no que acabara de ouvir. Continuou a lavar louças, quando sentiu dois braços envolvendo sua cintura. Voltou-se de frente para ele e este por sua vez tentava lhe beijar.



­ Pare com isso, Israel!



Ela lutava para se livrar de seus braços.



­ É inútil tentar fugir de mim – e completou – sexo frágil e... linda... Eu a quero!



Era uma tentação ouvir aquelas palavras de um jovem irresistivelmente belo, entretanto de um gênio intransigente. Por outro lado, Lorena deveria manter seus princípios de fidelidade e se livrar de Israel a todo custo. Sua assistente doméstica apareceu naquele exato momento e deparou com a cena espantosa. A sua patroa se viu embaraçada diante daquele episodio, enquanto o rapaz se retirava da cozinha sem mais nada a dizer. As duas permaneceram frente a frente. Rute ergueu uma das sobrancelhas fazendo-se ar de dúvida.



­ Ru-Rute... na-não é nada disso que você está pensando.FFFoi ele quem me atacou. Você não deveria ter me deixado aqui sozinha.



A empregada a aconselhou com a sua voz calma e lenta.



­ Só lhe digo isso: cuidado com Israel, para mais tarde não se magoar.

­ Rute, eu acho que você não acreditou em nada do que eu disse.



Depois daquele acontecimento enfadonho, Lorena resolveu caminhar um pouco pelo calçadão. Estava muito tensa e preocupada. Recusava a imaginar na reação de Lúcio se ele viesse a descobrir o tal incidente como provaria a sua inocência. Uma simples atração não poderia ser confundida com traição e imaginava que seu caráter era mais forte.



Pela tarde, Lorena estava no jardim da sua casa a contemplar as flores, como era de costume, quando foi chamada por Rute para que fosse atender ao telefone. Segurou o aparelho e logo ouviu uma voz que vinha do outro lado da linha: ao inesperado, trágico!

Seu coração acelerou. Precisava estar urgente no aeroporto. Pegou um táxi e em alguns minutos ela já estava lá. Ficou confirmado. Um avião bimotor que conduzia pretendentes ao cargo eleitoral do Rio e mais três tripulantes caiu quando tentava pousar no aeroporto. Ninguém sobreviveu e Lúcio Solano estava naquele avião. A sua visão ficou sem foco até se escurecer por completo.



Já era noite quando Lorena recobrou os sentidos. Estava em um quarto de hospital ao lado de sua mãe que lhe segurava a mão direita, tentando confortá-la. E as lágrimas da jovem correram sobre a face.



Foi o momento mais difícil de sua vida. Estava no velório. Sua mãe, dona Cândida, abraçava a sua filha. Havia muitas pessoas no interior do recinto. Dentre elas, parlamentares, jornalistas, clientes do próprio Dr. Lúcio e um irmão do seu marido, um fazendeiro o qual Lorena só o vira uma vez. A jovem direcionou seu olhar sobre os indivíduos ali presentes e avistou Israel que chorava solitário. O sepultamento foi realizado horas depois. E Lorena suspirou a tristeza.



As horas levam os dias, os dias as semanas. Meses após meses. Lorena superava o trauma de forma gradativa. Resolveu ir ao shopping para amenizar a sua melancolia. Comprou algumas roupas da estação. Era primavera e o momento era oportuno para mudar o seu visual. Ao voltar para casa sentou-se no sofá. Seu pensamento estava repleto de preocupações. Recebia a pensão a qual seu marido deixara, mas pretendia voltar a trabalhar e vender sua parte do casarão que, por lei, também lhe pertencia, mas estava consciente de que Israel era o principal herdeiro. E se continuasse naquela mansão provavelmente seria humilhada e massacrada por seu enteado. Porém, acostumou ao conforto do qual a casa lhe proporcionara.



Rute adentrou na sala e lhe ofereceu suco de maracujá.



­ Isso lhe fará bem.

­ Obrigada, Rute.



Lorena, para esquecer de que estava só, decidiu ir á casa de seus pais.



­ Olá, mãe! Como tem passado, pai?



Abraçou seus pais com comoção.



­ Minha menina, - disse sua mãe – você está mais magra, no entanto está mais bonita. Quer tomar café?

­ Obrigada, mãe.



Os três sentaram-se no sofá da sala para beberem o café. Seu Antonio observou a filha e fez um comentário.



­ Lorena, você parece abatida... mas eu entendo porquê.

­ É.. são as contingências da vida. - A jovem silenciou e logo retomou a conversa.

­ Mãe, posso ficar para o jantar e esperar por Pietro?

­ Mas, claro, filha, a casa é sua!



Dona Cândida fez uma breve recordação dos tempos de infância de seus filhos. As duas crianças eram tão unidas que a dona de casa se orgulhava disso. E sempre foi assim, até na vida adulta.



O diálogo foi interrompido pelo baque da porta da sala. Era Pietro que acabava de chegar do trabalho. Em seguida ele abraçou sua irmã. Depois proferiu



­ E então, querida maninha, como se sente?

­ Muito bem, graças a vocês.



O diálogo se estendeu até o final do jantar. Lorena percebeu que já estava tarde e adiantou-se para ir embora. Seus irmão se ofereceu para levá-la no veiculo dela.



­ Mano, não se preocupe. Não quero lhe dar trabalho.

­ E eu tenho coragem de te deixar ir sozinha a esta hora, com tanta violência que há nesta cidade ? Depois eu volto de táxi.



Pelas ruas, Lorena encontrou uma grande oportunidade para desabafar com seu irmão. Falou sobre seu enteado e os conflitos que lhes envolviam.



­ Esse rapaz de que você fala deve ser imaturo. Ele ainda carrega características próprias de um adolescente rebelde.

­ Ele não é mais um adolescente. Israel tem a sua idade. – rebateu Lorena.

­ Seu enteado deve ser mesmo um neurótico.



Restavam alguns minutos para ela estar no portão de sua residência. Despediu-se de Pietro e seguiu pelo jardim adentro. Surpreendeu-se ao descobrir Israel quase imperceptível naquela semi-escuridão na enseada da casa. Ele se fez de barreira contra ela interrogando-a posteriormente.



­ Quem é ele?

­ Olha, Israel, isso não te diz respeito. Agora, dá licença?



Lorena tentou caminhar em direção a entrada, contudo o rapaz estava determinado em segui-la e insistia com a pergunta.



­ Eu acho que tenho todo o direito de preservar a integridade moral de minha família, uma vez que você se juntou a minha família, enganando a meu pai e a todos. Não quero que os outros criem uma imagem de meus familiares uma imagem de vergonha por sua causa!



Lorena deu dois passos para trás em sua autodefesa.



­ Se há alguém sem vergonha é você. Sue pai tinha razão por chamá-lo de garoto. Sua idade mental é infantil. Ah! Vou aproveitar este momento para dizer que eu quero vender a minha parte desta casa e me ver livre de você.

­ Se quiser ir embora, que vá, mas não verá um centavo desta casa que, por sinal, foi da minha mãe. E você está aqui como intrusa.

­ Pois então, se não quiser comprar a parte desta intrusa aqui viverá pessimamente ao lado dela, ou pensa que eu não conheço os meus direitos?



Seu enteado não mais contestou e seguiu direto para seu quarto.



O dia amanheceu ensolarado. Era uma boa ocasião para procurar emprego. Com os benefícios que Lúcio deixara para Lorena se tornaria desnecessário obter emprego, porém a moça sentia a necessidade de ir à luta e de se sentir útil.



Por conseguinte lhe foi posto o cargo de secretária executiva. A partir daquele momento seus dias corriam com tranquilidade e seu salário era o bastante compensador. Por ser uma mulher atraente, surgiram vários pretendentes, inclusive o diretor da própria empresa. Mas o coração de Lorena estava fechado, fragmentado, aturdido. Seu maior alívio era, sempre que podia, ajudar às instituições de caridade.



Domingo Lorena recebeu a visita de seu irmão.

­ Pietro! Mas que surpresa agradável!

­ Vim convidá-la para darmos um passeio e comermos fora..



Israel descia as escadas e quando notou que sua madrasta estava em companhia de um estranho, reteve-se para espioná-los.



­ Eu amo você e me orgulho dessa nossa tão sólida união. – disse Lorena ao seu irmão.



Ela se ausentou por alguns instantes para se arrumar. Pôs um vestido longo, de tons azuis e prata e com decote ousado, o que valorizava seu busto. Deixou os cabelos presos. Estava deslumbrante. Ao descer as escadas foi vista por seu enteado que estava às escondidas e que não se conteve em lançar olhares de cobiça sobre ela.



­ Você está encantadora... – disse Pietro num leve sorriso.

­ Aceito seu losonjeiro. Agora vamos?

Os dois seguiram alegremente.



Visitaram o parque de diversões. O passeio na montanha-russa foi a maior emoção. Em seguida Pietro comprou pipocas só para matar a saudade do seu tempo de criança. E por fim foram almoçar em um pequeno restaurante.



­ Maninha, desculpa por não poder lhe oferecer o melhor restaurante da cidade.

­ Pietro, larga disso! Você sabe que eu sou uma pessoa que admira a simplicidade. Eu amei tudo isso e ao seu lado me sinto melhor ainda.

­ Lorena... ele meditou antes de concluir – por que não tenta um novo casamento?



A jovem baixou o olhar que revelava uma certa perturbação.



­ Quando eu era solteira tinha um enorme desejo de me casar. Agora que fiquei viúva me sinto bem em estar só. Israel é que... Ela se interrompeu.

­ Israel é que...? – Pietro não se conteve na sua expectativa.

­ O meu enteado é que não me deixa viver em paz.

­ Você pensa que me engana! – exclamou seu irmão sorrindo para ela e concluiu:

­ Eu sei exatamente o que está sentindo. Está apaixonada por esse carinha e não quer me dizer.



Lorena se viu embaraçada, mas tentou ser clara.



­ Ora, Pietro, eu odeio Israel. Não entendo por que o fez pensar assim de mim.

­ Não quero lhe machucar mas... você sofreu quando perdeu seu marido, agora noto que está sofrendo por uma outra razão. Talvez seja por amar o homem errado.

­ Você formulou conclusões precipitadas. Eu já lhe disse que desprezo aquele rapaz. E ele também me odeia.

­ Mesmo assim, continuam convivendo na mesma casa. Você está apaixonada por esse tal de Israel e não se dá por conta desse amor.



Lorena parou apreensiva. Seu irmão teria razão ao afirmar que ela estava amando seu próprio enteado? Contudo, teria que fugir de si mesma para não ferir seu orgulho.



Horas ocorridas e já estava ela em sua casa. Ao passar pela sala, surpreendeu-se ao ver Israel beijando uma loura sobre o sofá. Passou pelo casal em passos apressados e vermelha de fúria foi ate a cozinha chamar a empregada.



­ Rute, o que significa aquela cena na sala? Será que você não sabe agir quando eu não estou presente?

­ Dona Lorena, eu não posso me meter na vida desse menino.

­ E pára de chamá-lo de menino! Ele precisa respeitar as pessoas que moram nesta casa.



Lorena tentou relaxar e ficou a aguardar a “tal mocinha” (como ela pensava) ir embora. Depois que a loura se foi, Israel continuou esticado no sofá. Foi o momento para Lorena entrar em ação.

­ Israel! Quero falar com você!



Ele parecia inabalado, com o olhar fixo para o teto.



­ Escuta! Eu fui criada com princípios morais. E acho que você tem por obrigação de respeitar a dignidade dos que aqui moram.



O rapaz começou a rir e lhe respondeu com mesma forma agressiva.



­ Ora, vejam só! Ela agora se faz de moralista, no entanto trás seus homens para dentro de casa.

­ Você está me ofendendo!

­ Sinto muito, mas, você foi a primeira a me ofender. Há pouco tempo meu pai faleceu e você não teve o menor pesar. Sei que ande de romance com um idiota.



Lorena lembrou-se de Pietro e só pode concluir que Israel se referia ao seu próprio irmão. Achou melhor que seu enteado continuasse equivocado e a pensar que seu irmão Pietro fosse o seu mais recente namorado.



­ Olha só! Ficou muda. Eu sabia que você nunca amou meu pai, porque não passa de uma mulher vulgar.



Desta vez Lorena não mais protestou e seu único desejo era que aquele rapaz se retirasse de sua frente. Ele, por sua vez, parecia ler seus pensamentos. Encarou-a severamente, em seguida se dirigiu à rua. A moça pôde respirar aliviada, porém com certa preocupação. Ela estava com ciúmes, ciúmes de Israel com uma mulher que ele próprio trouxera para casa, apenas uma vez. E o pior, como havia dito seu irmão Pietro, estava apaixonada por Israel. Um sentimento que ela se negava admitir.











CAPÍTULO VII





Os dias se passavam rápidos e Lorena precisou trabalhar com mais intensidade para desviar seu pensamento das tribulações indesejáveis, e até chegou a negar várias vezes os convites para um jantar com o diretor da empresa onde trabalhava.



­ Você é mesmo impossível. – dizia ele.

­ Desculpe, é que eu não estou em um bom momento.



Numa tarde de sábado Lorena recebeu um telefonema de seu irmão. Israel estava na sala ao lado a ler uma revista. Aquela foi uma grande oportunidade para a jovem deixar seu enteado irritado.





­ Ola, Pietro. Como tem passado? Como? Está me convidando para um jantar em casa. Que surpresa agradável! Então haverá um pedido de casamento. Está certo. Estarei as dezenove em ponto. Um beijo! Tchau!



Ela desligou o telefone. Depois olhou para Israel sentado na poltrona a ler uma revista uma revista e imaginou que ele fosse reagir contra aquele convite. Entretanto o rapaz se mostrou invulnerável, com sua atenção voltada para o que lia.



Imediatamente. Lorena procurou por Rute e mandou que preparasse o jantar só para Israel, visto que jantaria ela fora•. Em seguida, subiu as escadas e caminhou até a sua suíte. Preferiu tomar um banho em sua banheira de hidromassagem. Apanhou o roupão e seguiu para o quarto. Ela se maquiava quando percebeu um vulto através do espelho. Olhou para trás e ali estava em sua frente: Israel! Ele parecia furioso e a encarava seriamente.



­ Você não vai a jantar algum! – disse ele. – É o meu dever preservar o nome da minha família!

­ O que você pensa que eu sou para entrar em meu quarto desse jeito? Quer me dar licença e se retirar? Eu preciso me arrumar para sair.

­ Lorena, você não vai nem que seja preciso trancá-la neste quarto.



Lorena parou admirada. Era a primeira vez em que Israel a chamou por seu nome.



­ Ah! É? – disse a moça – pois então, sabe o que vai acontecer? Eu vou gritar e bater na porta até que alguém ouça e chame a polícia.

­ Você se engana. Porque vai ficar aqui bem quietinha, e como estarei ao seu lado, não permitirei que faça nenhuma gracinha.

­ Não me ameace! Eu vou passar por aquela porta e você não vai me impedir!



A face da jovem ficou rubra de raiva, mas Israel, por sua atitude, foi implacável e ao mesmo tempo infantil. Ele a segurou com firmeza e ela, por sua vez, esmurrava os ombros do rapaz.



­ Seu cretino, me larga! – ela implorava em soluços.



O confronto parecia ser violento, até o instante em Lorena caiu sobre a cama e ele sobre ela. Naquele momento a quietude do silencio envolveu todo o quarto. Israel a encarava com ternura. E por um impulso suas mãos começaram a acariciar o rosto suado da moça. Lorena só se deu por de que Israel vestia apenas calça jeans quando ela tocou nos ombros dele. Ela podia até sentir as batidas do coração daquele homem o qual acabara de arrebatar o coração dela. Sentiu também o seu hálito quente tocar em seu pescoço. A jovem se viu entorpecida e cedeu a relutância de Israel.



Ficaram assim por alguns minutos. Não era coação, não era petulância. Lorena sabia que era um desejo recíproco. O olhar do rapaz era de afeto e solícito. Ela compreendeu e segurou a nuca de Israel para beijá-lo. Era uma paixão que ardia o peito de Lorena. E o rapaz era ávido e seus beijos tocavam pescoço e ombros da jovem. No entanto o que ela mais desejava era ouvir a voz de Israel a dizer que a amava.



­ Israel... – ela sussurrava.

­ Sim!

­ Você chamou pelo meu nome pela primeira vez.

­ Eu chamei? Bem... Escapou.

­ Agora me diz a verdade!

­ Que verdade?



Lorena sentiu um repentino receio e logo se levantou da cama. O rapaz não entendeu a reação da moça e sentou-se no mesmo leito.



Ela tentou se explicar.



­ Eu- eu não quero que pense que sou uma mulher vulgar. Casei com seu pai e no momento estou com você.

­ Mas eu quero você. Eu acho que me...



Ele se interrompeu e Lorena, ansiosa, esperava que ele completasse a frase como: “me apaixonei por você”, no entanto Israel calou-se o que deixou a jovem com uma ligeira frustração.



O rapaz agarrou-a com ternura e parecia perceber o sentimento de Lorena por ele.



­ Você... Você não quer admitir me amar. Mas entendo. Fui muito duro contigo.



Se ele se negava a confessar o seu próprio amor, ela, mesmo para não contrariar o seu próprio orgulho, também não confessaria. Usou um subterfúgio falando sobre Lúcio.



­ Seu pai sempre me dizia que o amor dele por você era tão grande que ele se sentia incapaz de feri-lo em qualquer situação aparente.



Israel caminhou pelo quarto tentando esconder suas lágrimas.



­ Eu... amava o meu pai. De forma rudimentar, mas o amava.



Lorena correu para abraçá-lo e dar-lhe conforto.



­ Lorena... Me perdoa!



E ela lhe respondeu com beijos e carícias. Permaneceram assim por alguns minutos até o momento em que Israel resolveu abdicar à sua tentativa de ergástulo.



­ Não vou mais impedir que saia com seu namorado.



Lorena não se conteve em rir e confessou em seguida:



­ Eu não tenho namorado, e se você se refere ao Pietro, ele não é meu namorado: ele é meu irmão.



O sorriso que se fez na face de Israel denotava alívio.



­ Por que não me disse antes?

­ Você ficou com ciúmes de mim com meu próprio irmão? Vamos, confessa! – ela foi objetiva e centralizada.



E mais uma vez, o rapaz calou-se e sem pronunciar sequer um só monossílabo, retirou-se do quarto. Agora era Lorena que não o entendia. Lembrou-se, então, do jantar na casa de seus pais. Consultou o seu relógio e notou que estava atrasada, e por outro lado, se sentia indisposta. Achou melhor telefonar e avisar a Pietro que não estava se sentindo bem.



­ O que você está sentindo, maninha? – do outro lado da linha, a voz de seu irmão soava assustada.

­ Não, não se assuste! É apenas um mal-estar. Amanhã eu passo por aí. Feliz noivado. Tchau!



Lorena cumpriu o que havia prometido no dia seguinte. Foi a casa de seus pais parabenizar seu irmão pelo noivado.



­ Mãe, vim me desculpar por não estar aqui presente para o jantar dos noivos.

­ Você não tem o que se desculpar. Agora vamos esperar por Pietro que já deve chegar do trabalho. – disse Dona Cândida.



Lorena tomava café quando seu irmão chegou muito feliz e acompanhado pela noiva. Pietro adiantou-se para as apresentações:



­ Maninha, esta é Ana Carla. Carla, esta é Lorena, como já sabemos, a minha irmã.



As duas se cumprimentaram e Lorena aproveitou para fazer um elogio.



­ Meu irmão teve muita sorte, pois encontrou uma jovem muito bonita.

­ Bondade sua. Você que é muito bonito – proferiu a noiva de modo amistoso.



Apesar do esforço para mostrar-se feliz, Lorena sentia em seu âmago uma profunda desolação e, sobretudo, o desejo de voltar para casa.



­ Filha, pelo menos, fica pra o almoço! – sua mãe insistia.

­ Fica pra outra vez, mãe. Obrigada.



Pietro ao notar a preocupação de sua irmã, decidiu acompanhá-la até a saída.



­ O que está acontecendo contigo, mana?

­ Não aconteceu nada. – a voz de Lorena cambaleava.

­ O garotão de lá continua a dar trabalho.

­ Para ser sincera, tivemos um curto romance, só que ele sumiu, como de costume. Ligo para o celular dele, mas ele não atende.

­ Ele é muito misterioso – completou Pietro.



Ela despediu-se de seu irmão e seguiu em seu automóvel. Já em sua residência, jovem experimentou o vazio da solidão muda, decreta e dolorosa.



Era domingo e, como sempre, Rute havia saído para assistir à missa o que só fazia aumentar a sua angústia. Lembrou-se, então, de seus amigos. O quanto havia se afastado deles. Lamentava sua solidão, contudo se acatava ao desatino de estar só.



Deitou-se no sofá inerte em seus pensamentos. Dúvidas e inseguranças circulavam por sua mente.



­ Israel... – pensou alto – o que será que anda a fazer?



Desejou beber algo. Escolheu um espumante gelado e logo após se dirigiu a vidraça da janela para observar o jardim. Fazia um bom tempo que não prestava atenção às flores tão delicadas e esquecidas. A roseira que crescia ao lado do muro precisava ser podada e os crisântemos, debilitados e sem viço. As palmeiras encontravam-se ressecadas. Só o tufo de azaléias imperava em sua exuberância por entre as flores esmaecidas.



­ Meu Deus! Como sou descuidada! Preciso contratar um jardineiro urgente!



Embora irrevogavelmente culpada pelo descuido do seu pequeno horto, sentiu-se compensada ao admirar o céu azul e o sol radiante, sem o incômodo de nuvens. Era tarde de primavera e Lorena decidiu esquecer as desilusões e dar as mãos à felicidade. Mas que para isso, precisava romper seu sentimento de “ mulher apaixonada” por Israel. Foi em vão! Seu subconsciente lhe atormentava, com a fixação de que só Israel era o seu amado inconsequente. Foi descansar em seu quarto e adormeceu com os mesmos vestes.



Segunda-feira seguinte, ela acordou mal-humorada e com uma sensação esquisita.

Não foi fácil se concentrar em sua atividade no trabalho



­ Lorena!? O diretor solicitava.

­ Oh! Queria me desculpar...

­ Está se sentindo bem?

­ Não é nada, obrigada.



Dia após dia, durante semanas, Lorena vivia uma grande dúvida que a afligia. Israel foi embora, sem dizer para aonde.



“O que teria acontecido com ele?” - pensou.



Imaginou chamar a polícia, porém deteve-se ao pegar no telefone. Seria uma posição desnecessária, uma vez que já era costume do rapaz passar vários dias fora de casa e sem noticiar a ninguém.



Era sábado e o dia estava luminoso, convidativo. A jovem abraçou aquela oportunidade e foi à praia, enterrar sua frustração na areia.



Estendeu uma toalha sobre as pedrinhas da orla e sentou-se ali. Contemplou o mar como se fosse pela primeira vez. Sentiu o cheiro da maresia e banhou os seus pés nas ondas e iam e vinham em ritmos majestosos trazendo consigo espumas esbranquiçadas que em seguida se desmanchavam ao tocar nas areias. Um destemido surfista estava mais adiante sobre as águas ondulantes da maré, a desafiar as ondas. Era impressionante: o equilíbrio e a força; o homem e as águas. Havia dezenas de banhistas compartilhando um pedaço de areia. Pouco a pouco Lorena fez crer que não havia uma razão aparente para se violentar por um monógamo amor.



­ Fechei a porta da felicidade, mas agora é momento de abrir.



Voltou para casa. Sua assistente doméstica já a aguardava para o almoço. Banhou-se nas águas frias do chuveiro. Vestiu uma blusa regata e um short jeans. Em seguida, sentou-se à mesa da cozinha. Seu apetite foi grande, e até instigou um diálogo com Rute.



­ Está uma delícia este almoço!

­ Obrigada. – agradeceu Rute ao enxugar suas mãos no avental.

­ Ouça aqui, Rute: amanhã é domingo e certamente você irá à missa. Gostaria que rezasse por mim, aliás, pela humanidade.

­ Eu sempre oro por todos, sobretudo pela senhora e pelo menino Israel.

­ Onde quer que ele esteja, espero que esteja bem.



Ao cair da noite seu irmão Pietro acompanhado por sua noiva Ana Carla apareceram

na casa de Lorena.



­ Que surpresa maravilhosa! - proferiu sua irmã ostentando um largo sorriso.

­ Querida mana, prepare-se para uma outra surpresa. Viemos lhe convidar para ser a madrinha do nosso casamento, isto é, se você concordar.

­ E por que eu haveria de recusar?para mim é uma honra. Principalmente por saber que meu irmão está feliz.



Os três acomodaram-se no sofá . Lorena serviu um drinque.



­ Você tem uma bela casa. Espero que o meu noivo tenha uma postura requintada e que possa construir uma casa como esta. – disse Ana Carla, sem receio.



Meio encabulado, Pietro contradisse-lhe:



­ Bem que eu gostaria, só que o meu salário não oferece tanto...

­ Eu quero ajudar a vocês a construir uma boa casa, ampla e bonita. Pode ser aqui mesmo na Zona Sul? – Lorena entusiasmada, se dispôs a ajudar seu irmão.



Antes de opinar, o rapaz silenciou por alguns segundos para refletir , enquanto os demais aguardavam por seu pronunciamento.



­ Bem, maninha, admiro muito a sua generosidade. O que você está a nos oferecer é um ato dispendioso. Não quero que pense que é orgulho da minha parte. Não me leve a mal, mas considero isto desnecessário. Perdoa-me!

­ Por favor...me deixe ajudar! Vou me sentir muito feliz podendo ajudá-los. E faço votos que escolham morarem próximos à minha residência. E... Vocês ainda não me disseram a data do casamento.

­ Ainda não marcamos – respondeu Pietro- no entanto pensamos em nos casar no próximo inverno.

­ Inverno? Desculpe a minha indiscrição, mas se fosse eu esperaria pela primavera. O inverno... o inverno nos transmite um clima nostálgico. Nos dá o desejo de se reprimir, e na primavera o nosso desejo se transforma no desabrochar das flores, no anseio de ir além, sem ficar com aborrecimentos. A primavera revela todo o encantamento do romantismo. No entanto, depende da personalidade de cada um de nós.

­ Mana, você foi tão poética e tão espiritualista que quase viajei nas flores. Bem, eu concordo plenamente, só que eu e a Carla opinamos pelo inverno por coincidir com os meses em que teremos maiores comissões Nós dois trabalhamos na mesma empresa e nosso salário aumentará justamente nesse período de frio.- Pietro tentou explicar.



O dialogo se estendeu pela noite adentro, até que Ana Carla solicitou ao seu noivo para irem embora. O casal, em vista disso, despediram-se de Lorena e, antes que eles saíssem, a dona da casa lhe propôs um convite.



­ Estou pensando em preparar um jantar em homenagem aos noivos. Me aguardem!





































CAPÍTULO VIII





O verão havia chegado e, com ele, trazia os primeiros sinais característicos daquela estação. E por consequência do aquecimento global, o calor era bem maior que os verões anteriores.

Lorena estava em seu quarto a navegar pela internet, seu mundo de informações, quando ouviu o toque do seu celular. Surpreendeu-se ao identificar o chamado: era Israel.



­ Israel?! – sua voz soava trêmula.



_ “Lorena, me desculpa! Fugi de você para fugir de mim mesmo. Mesmo assim, preciso de você.”



O coração da jovem sorriu de felicidade. Entretanto conteve-se para não ferir seu próprio orgulho. Tentou ser firme.



­ Onde você está, Israel?

­ “Não tão distante. Em breve nos veremos.”



Ele desligou o celular. E Lorena procurava uma razão para absorver aquela atitude inexplicável e miserável.





­ Israel quer brincar com meus sentimentos. E eu estou me comportando como uma adolescente idiota.



Quantos domingos ela tivera que passar solitária, talvez não fosse o único, e aquele dia amanhecera chuvoso. O vento soprava furioso. Sua velocidade era suficiente para derrubar uma arvore. Era uma tempestade torrencial, típica de verão.



Lorena cancelou toda sua programação daquele dia. Parecia predestinada à solidão.

Seu olhar melancólico procurou a janela da sala e observou através da vidraça a chuva que chorava por ela. O presente momento a conduzia à remotas lembranças, não tão remotas; o dia em que chovia , e ela estava no escritório esperando impacientemente a chuva passar, quando Dr. Lúcio, cordialmente, ofereceu-lhe carona. Lembrou-se também do seu sentimento por ele. Lúcio estava convicto de que as pessoas podiam se amar com a convivência. Casaram-se, mas nunca confessara a ninguém que seu amor por Lúcio era da mais pura amizade. O que mais a impressionava era que o advogado sentia-se bem assim, e se contentava com o fato de tê-la por perto.



De retorno ao presente, a jovem agora sofria com aquele vazio ecoando em seu âmago. Abominou “os domingos” e aquela insistente chuva que caia. Decidiu, então, para acalmar seus pensamentos inquietos, assistir a um vídeo musical. Optou por “Lest Kiss” do Pearl Jam em homenagem a Lúcio, o que só fez aumentar sua angústia. Desligou o som e seguiu para o quarto. Repousar ficou difícil para ela e encontrou uma solução em seus tranquilizantes. E por fim, ela adormeceu.



Quando acordou já era noite. A chuva persistia com a mesma proporção. Olhou ao seu redor e todo o recinto estava tomado por uma insólita escuridão. Levantou-se da cama para acender a luz, mas a iluminação não aparecia. Percebeu através da vidraça que o ambiente lá fora também estava escuro.



­ Provavelmente a chuva foi a causa dessa falta de energia elétrica – pensou

­ O celular! Cadê meu celular? Mas, como encontrá-lo nesta escuridão?



Lorena começou a tatear os móveis do quarto, embora levando alguns tropeços, seu esforço foi em vão. Dirigiu-se até o oratório da residência para apanhar uma vela. Desta vez foi cautelosa para não cambalear de novo, quando, de repente, ouviu um movimento brusco vindo da sala de visitas. A moça se viu pasma. Seu coração acelerou e seu corpo tremia. Por um instante percebeu um vulto na penumbra do interior da casa. Lorena nada mais pôde fazer, senão ficar imóvel, escondida, ao lado do oratório. A certa distância, ela percebeu, pela silhueta, que se tratava de um homem, mas que certamente não enxergaria a face do tal estranho.

O tenebroso homem subiu as escadas, surgindo, assim, uma grande oportunidade para Lorena pegar o telefone e chamar a polícia. Caminhou com extremo cuidado até a banqueta onde ficava o aparelho.



­ Alô! Alô! Meu Deus... o telefone não funciona. Deve ter ocorrido algum problema na linha.



Em vista do perigo que poderia estar passando, apanhou um objeto qualquer para sua autodefesa. No momento em que tentava se esconder, sentiu, pelas suas costas, uma mão tocar em seu ombro esquerdo. A moça não se controlou: deu um grito abafando seus lábios com as mãos, e quase caiu das escadas, mas conseguiu chegar até seu quarto. Suas mãos tremulavam ao trancar a porta, e o pavor tomara conta de si. Escutou o som da maçaneta quando gira. A porta estava trancada, no entanto, de qualquer forma, o bandido arrombaria a porta e ela estaria perdida. O que ele pretendia?



Estava vivendo um terrível pesadelo, até o momento em que ouviu uma voz a qual lhe parecia familiar.



­ Lorena! Abrar! Sou eu!



Lorena enxugou suas lágrimas e abriu a porta. O estado da jovem ainda era de pânico. E ali em sua frente estava Israel a segurar um celular para que iluminasse apenas os rostos de ambos. Os dois se olharam em silencio por alguns segundos. E logo o rapaz recorreu para abraçá-la. Lorena sentiu que os vestes dele estavam molhados pela chuva. O visor do celular apagou, e de súbito, Lorena afastou-se dele. Sentia raiva, uma grande raiva por tudo que ele a fez passar.



Seu irresponsável! Seu louco! Seu imaturo! Se eu sofresse do coração já estaria morta.



Ele baixou a cabeça e lamentou:



­ Desculpa. Abri a porta com a chave que carrego, e no interior da casa estava tudo escuro e muito silencioso. Imaginei que não houvesse ninguém. Escutei um ruído próximo ao oratório, e quando aproximei de você lhe causei esse horror.



Ela hesitou momentaneamente exclamando em seguida:



­ Está bem! Eu já o perdoei por esta falta, mas pela consideração que você não teve, serei bem enfática: não o perdoou! Você simplesmente sumiu.

­ Eu entendo perfeitamente. E se eu estivesse em seu lugar faria bem pior. Você sabe que sou de um gênio intransigente e por isso resolvi me afastar daqui, da sua vida. E por falar em vida, eu sempre pus a minha em dúvidas. A verdade é que eu não sou nenhum drogado e nem tão pouco trafico narcóticos. Os amigos que tenho são dos bares e as garotas com quem estive são apenas garotas. Fui um cara rebelde, sim, porém você me fez ver a vida de outro ângulo. Agora, está curiosa para saber por onde eu andava. Claro!Nestes últimos meses estava na fazenda do meu tio trabalhando como administrador das terras. Lorena... eu fugi apenas para te esquecer. Me incomodava bastante a ideia de me ver amando a mulher que um dia se casara com meu pai. Contudo, aqui estou, atropelando aquele antigo conceito e, para lhe dizer que não suportei ficar sem você. Lorena, eu te amo com toda a minha rusticidade que lhe possa aparentar, mas te amo.



Naquele momento o recinto no qual os dois estavam iluminou-se de maneira que parecia trazer uma esperança remota e sofrida, transformada em realidade e prazer. Lorena agora pôde contemplar o lindo rosto do rapaz. Seus cabelos ainda estavam úmidos. Seu olhar solícito desejava amor, desejava resgatar aquele amor perdido.



Lorena ainda estava confusa. Não conseguia acreditar no que acabara de ouvir. “Não, rapazes como ele não se apaixonam por mulheres como ela”. Ela concluiu sua própria referencia. E deu as costas para ele.



­ Eu não consigo acreditar em você.



O rapaz caminhou em sua direção e ao tentar segurá-la, Lorena se opôs.



­ Não insista! Não brinque com os sentimentos alheios como se fossem bola de pingue-pongue.

­ Então, me diz o que posso fazer para que acredite em mim.



Um silêncio febril envolveu aquele aposento. A moça se achou impotente, presa por dois braços ávidos, intrépidos e envolventes...



­ Por favor, me ama! Mas me ama com ternura.



Foi lindo demais ouvir aquelas doces palavras, e saiam dos lábios de Israel. Ainda chovia lá fora, mas com menos intensidade. E assim lábios foram se aproximando um do outro até que se tocaram. Era um beijo candente e tão desejado. De madrasta a amante. Lorena dizia para si: “Acho que Lúcio, de certa forma, sacrificou sua vida por uma causa: a minha e a do seu filho.”



Lorena sentiu seu vestido cair do seu corpo. Em seguida ele a carregou e lhe estendeu sobre a cama. Sofreguidão rústica por beijar, e nas carícias que serpentearam as curvas dos seus corpos.



­ Agora me disse... – ele sussurrava - Quero ter o prazer inebriante de ouvir sua voz a me dizer que me ama.



Israel conseguiu rançar um sorriso dos lábios dela. Lorena segurou a nuca do rapaz, beijando-o em seguida.



­ Oh! Amor, você não faz ideia o quanto te amo. – ela lhe disse com um leve sorriso.



E o casal se beijou novamente.



Lá fora a chuva agora caia com menos força.



Quando amanheceu a chuva já havia cessado, embora algumas nuvens carregadas ainda persistiam. Era segunda-feira e Lorena precisava estar às oito no escritório. Ergueu-se da cama às pressas, pois se atrasara, no entanto Israel a deteve segurando seu braço.



­ Não vá trabalhar hoje! Eu quero te contemplar, quero te ver na luz do dia, te desejar...tocar em teu corpo, sentir o teu calor...



Ela lhe sorriu dizendo:



­ Ora, e se eu for demitida?

­ Não tem importância. Amanhã você se casa comigo.

­ Tolinho... E se amanhã você der um adeus?

­ Este adeus será com suicídio por você hoje não ter me amado.



Era um momento de frenética felicidade. Beijos e carícias eram constantes entre os dois apaixonados.



­ Posso lhe ser sincero? Quando meu pai apresentou você a mim, eu senti certa inveja dele. Você ao lado do meu pai, tão linda e eu sem ninguém.

­ Seu pai e eu formávamos um belo casal.

­ Nós dois é que somos um casal interessante. – ressaltou Israel.

­ Pois saiba que seu pai foi um homem exemplar.



Em seguida, foram tomar o café da manhã.









CAPÍTULO IX



Os dois sempre que podiam saiam para se divertirem. Numa certa tarde Lorena fez uma visitação à casa de seus pais para apresentar Israel como seu futuro esposo. Seu Antonio ficou muito surpreso com a novidade: sua filha estava prestes a se casar, e com o filho de seu falecido marido.



­ O mais importante é que você seja muito feliz. – disse o pai.

­ Ô filha, como conciliar esposa e madrasta ao mesmo tempo?

­ Mãe, agora é apenas esposa. Falando assim vai parecer que eu sempre tive um relacionamento extraconjugal com o meu ex-enteado.

­ Desculpa, filha. Não falei por mal.



Ao cair da noite, Lorena e Israel já estavam em casa.



­ Amor, amanhã eu volto para a fazenda do meu tio. Ele precisa de mim lá nas terras.

­ Você não está pensando em me abandonar novamente...

­ Abandonar você é como me entregar a um fado cruel. Nunca se esqueça de que te amo.



Lorena lhe sorriu seco pela decisão tomada por Israel, acatou, no entanto, de forma compassiva.



Na manhã do dia seguinte, o rapaz tomou café e apressou-se para seguir seu destino à fazenda.



­ Vamos combinar um dia para que você conheça o meu tio.

­ Eu já tive a oportunidade de conhecê-lo, embora fosse em circunstâncias bem tristes: no velório do Lúcio.

­ É verdade, mas eu quero apresentá-la como minha mulher.



Os dois se beijaram com ternura, e Israel partiu , partiu mais uma vez, deixando a jovem na incerteza. Rute estava na sala e Lorena não se conteve em interrogá-la.



­ Me diz a verdade, Rute, você acha que ele gosta de mim?

­ Ele está criando juízo. Eu acho que a paixão entre vocês fez um enorme bem para ele. Nem a mãe ele tratava assim, com tanto afeto.

­ Foi bom ouvir isso de você, Rute. Eu estava tão insegura quando vi Israel partir mais uma vez..



Agora, em plena harmonia com a vida, sobretudo, harmonia consigo mesma, a jovem sonhava. Era como retornar à sua adolescência. A noite estava presente e seu desejo era de ler a um bom livro, um livro que lhe trouxesse novas ideias, um desses que lhe fizesse mergulhar no oceano do novo. Foi até a estante e achou magnífica a escolha que fez: retirou dali um livro de crônicas de Vinícius de Moraes, “Para uma menina, com amor”. Sublime leitura, a qual descrevia com minúcia profundos sentimentos humanitários, em delicadas palavras espiritualizadas pelo autor. Leu e releu. Olhou em volta de seu quarto e descobriu que ele era o seu pequeno mundo e se viu imersa de contentamento de novas descobertas.



Estava a sonhar com as crônicas de Vinicius, quando ouviu o toque do seu celular.



­ Oi, Lorena. Liguei para dizer que amanhã eu volto para casa e também para dizer que te amo.

­ Meu lindinho, sinto sua falta. Vou contar as horas e os minutos até você chegar. Beijos... também te amo.



Israel cumpriu, no dia seguinte, o que havia prometido. Agora estava ao lado do seu amor.



­ Israel, vamos ao teatro hoje à noite?

­ Vamos ao teatro e depois à balada, mas antes disso, quero matar minha saudade: vem para os meus braços.



E de jeito ávido, ósculos e caricias envolviam o jovem casal.



Anoiteceu. Lorena se arrumava para assistir à peça teatral, enquanto Israel fazia a barba. Minutos após minutos, os dois estavam prontos.



­ Você está uma princesa. – disse ele com doçura, e ela lhe sorri.

­ Vamos ver a peça de “miss Saigon”, vamos conhecer a história da vietnamita que tem um caso com um militar norte-americano.



Logo depois, Israel conduzia o transporte, enquanto Lorena conversava. Percorreram pela cidade a dentro. O curso dos veículos estava razoável. A quietude da noite pelas estradas abrandava o estresse do dia a dia. Um semáforo adiante indicou que os carros a parassem. O sinal de trânsito estava localizado em uma via de pouco acesso, próximo a um viaduto. Israel acuou seu automóvel e já se sentia impaciente por aguardar pelo sinal verde. Lorena avisou ao seu lado direito dois indivíduos trajando jaquetas escuras e capacetes da mesma cor, seguiam numa Honda. De forma brusca, os dois estranhos pararam a motocicleta e se aproximaram do carro do casal. De inicio, um dos homens bateu no vidro da janela do carro no qual se encontravam Lorena e Israel, dando sinal para que os ocupantes saíssem de dentro do veiculo. O casal entreolhou-se prevendo o que estava para acontecer. Israel, com cautela, abriu a porta do veículo e saiu em silêncio. Lorena, por sua vez, obedecia ao comando dos bandidos, os quais ameaçavam com extrema rispidez. Eram assaltantes, e o que se imaginava era que eles pretendiam roubar aquele automóvel. O momento era tenso. Lorena suava frio e permanecia calada. Israel apreensivo observava os dois salteadores devidamente armados, os quais ameaçavam a todo o momento a atirar se o casal não atendesse às suas exigências. Israel aproveitou um momento de distração de um dos assaltantes e o segurou por trás, tentando tomar-lhe a arma, o que não foi tarefa fácil. O bandido era bem mais forte que a vitima. Por outro lado, Lorena se desesperou. Até que se ouviu um estampido. Israel havia esquecido do segundo criminoso que impiedosamente acertara um tiro no peito do jovem que logo cambaleou e caiu sobre o asfalto. De forma contundente e tenebrosa o sangue lhe escapou por entre a camisa. Lorena recorreu aos prantos para ajudar o seu amado.



­ Por favor, alguém me ajude! – gritava ela, enquanto os bandidos partiam com o seu veículo.



Israel foi levado à emergência. Minutos dentro do hospital, Lorena caminhava sem consolo e muito nervosa pelo corredor em busca de notícias sobre o estado de saúde de Israel. O transitar de enfermeiras, seus auxiliares e pacientes eram constantes naquele longo corredor de hospital, até que mais adiante, precisamente junto à unidade de tratamento intensivo, a moça avistou um homem de jaleco branco que vinha ao seu encontro.



­ Sra. Lorena Solano? – interrogou o médico.

­ Sim, doutor! Como ele está?

­ O estado do rapaz é muito delicado. Ele perdeu muito sangue e ...além disso há uma bala alojada entre o estômago e pâncreas . Neste momento ele se prepara para a remoção do projétil na sala de cirurgia.



Lorena levantou suas mãos até o maxilar, denotando uma expressiva preocupação.



­ Meu Deus... Vou comunicar esta ocorrência à minha família e aos parentes dele.



Pelo celular, ela falou para cada um dos familiares o trágico acontecimento. Era evidente que para a jovem, por mais relutância que fosse seu sofrimento, não aceitaria mais uma perda e ainda porque se tratava de alguém da qual amava com paixão.



Após uma hora, algumas pessoas começaram a aparecer. O tio fazendeiro e um primo de Israel, também vieram: dona Cândida e Pietro para prestarem solidariedade.



Oh!Deus... Filha, como isso foi acontecer?

Assalto, mãe. Israel reagiu e o bandido atirou.



Cinco horas depois a cirurgia chegava ao final. Israel permanecia desacordado. E o desejo de todos ali presente aconteceu: Israel não corria mais risco de morte. E Lorena pôde voltar para casa aliviada. Precisou tomar um banho de ducha para relaxar. Relaxar? Parecia impossível.



­ Eu perdi o Lúcio de forma tão trágica. Agora não posso perder Israel. Não!



Rute estava ali por perto e orava para que a recuperação do rapaz fosse rápida. Lorena, desta vez, se juntou à sua assistente do lar, seguindo aquela atitude e rezou agradecendo pela vida, não só a de Israel, mas a vida de cada um, de cada ser que carrega por si o seu próprio destino.



No outro dia, ela foi à delegacia para depor. Em seguida, estava no hospital, ao lado do leito de seu amor. “Pobre amor”, que dormia sob efeitos de sedativos. Lorena segurou as mãos dele às quais mostravam frias e pálidas.



­ Meu amor, você vai ficar bem!- ela afirmava com acuidade.

Ao se inclinar para afagar os cabelos do rapaz, Lorena percebeu que as mãos dele se moviam e notou também que os olhos de Israel aos poucos descerravam. A jovem tentou segurar sua emoção para preservar a saúde do rapaz. Ele esforçou-se para pronunciar algo e a sua amada lhe sorriu.



A partir daí uma sequência de dias se somaram, com idas e vindas da jovem Lorena ao hospital. Algumas das vezes, seu irmão Pietro a acompanhava e em outras ocasiões, era o tio fazendeiro que se fazia presença. Ele era um senhor que muito lembrava o seu marido Lúcio, tanto pela aparência, como pela polidez, mas pouco falava. Naquele dia o tio fez uma breve visita a seu sobrinho e se despediu do casal.



Um médico adentrou no quarto o qual se encontrava Israel e informou a Lorena que no dia seguinte o rapaz teria alta. Ela repetiu a notícia ao paciente.



­ Graças a Deus! Eu não suportava mais a ideia de ter que ficar naquela casa sem você. – ela proferiu, beijando-o na testa.



Nasceu mais uma nova manhã; o dia em que Israel ficaria livre daquele leito de hospital. De volta para casa, Lorena carregava alguns pertences os quais o jovem usou durante os dias em que esteve na Unidade Hospitalar.



Caminharam até o estacionamento da casa de saúde.



­ É o nosso carro?!- o rapaz questionou irresoluto.

­ A Polícia do Rio conseguiu resgatá-lo e prender os dois bandidos - Lorena informou e o advertiu:

­ Da próxima vez, não reaja, tá bom?

­ Não haverá próxima vez, porque tenho um projeto de vida bastante interessante para nós dois, entretanto só relato quando chegarmos a casa.



Lorena foi quem conduziu o veículo, embora ainda carregasse o sentimento de medo, de trauma. O estampido da arma ainda ecoava dentro da cabeça da jovem, após àquela noite de pavor. No entanto, o dia estava irradiante e tranquilo.



Chegando a seu lar.



­ Eu acho que passei mais de uma semana em jejum de amor. – Israel articulou lançando seu olhar de desejo para sua amada e ansiava para tê-la em seus braços.

­ Calma, querido! Primeiro me diz qual o projeto que você tem em mente?

­ Olha, não me sinto mais motivado em viver nesta metrópole por esta razão gostaria que fôssemos morar lá na fazenda do meu tio.

­ Realmente, não encontramos mais segurança nesta conturbada vida de cidade grande. Mas, o que dirá seu tio se nós chegássemos assim de muda?

­ Ele já havia me convidado, faz um bom tempo. Meu tio possui várias propriedades e doou para mim um de seus casarões lá na roça.

­ Isso é muito bom! Lorena sorriu para Israel.

­ Agora vamos para o nosso quarto e comemorar nossa felicidade, celebrar nosso novo começo. O rapaz estava solícito.

­ Espera! Você deve estar com bastante fome. Vou pedir a Rute para que prepare um mingau para você.

­ Mingau? Não! Já tomei demais lá no hospital. Eu quero macarronada e... você! Ele caminhou de maneira ávida para carregar sua amada.

­ Israel, não se esforce desta forma! Lembre-se de que está operado – advertiu a jovem.



Ele a pôs no chão.



­ Está bem. Agora vem me beijar! Não vê que estou carente?



Ela atendeu ao seu pedido com um beijo espontâneo, desses que só a paixão é capaz de elucidar.



Subiram às escadas e tão logo parecia que o pequeno universo do casal os aguardava. Era surpreendente! Pétalas de rosas lançadas por diferentes lados, velas perfumadas acompanhavam os rodapés do quarto, muitos bombons sobre a cama, e sobre uma cômoda havia uma champanhe gelada. Israel observou cada pormenor, parando seu olhar em Lorena. Ele lhe sorri fascinado.



­ Ficou perfeito! Agora, vem cá! Vem cá, mulher! Minha mulher...



E os dois se beijaram mais uma vez. Depois Lorena decidiu colocar um CD para ouvir uma canção intitulada como “The Reason”, interpretada por um grupo chamado Hoobastank.



Dançaram com poesia e romantismo, e trocaram adjetivos eloquentes, apaixonados e sensuais.



­ Como escapar deste clichê? Mas tenho que dizer que te amo. - Israel proferiu.

­ O amor é falado em todas as línguas. É um sublime sentimento. E é por isso que eu também me orgulho de sentir o mesmo por você: eu te amo... – e ela, mais uma vez o beijou, ao som do “The Reason”.



Quem sabe era mesmo esse o destino que Deus traçara para eles. Mas de uma coisa Lorena tinha certeza: a felicidade, muitas vezes, é construída por sacrifícios, passando por caminhos dificultosos, mas determinantes para se alcançar a eficácia e os valores morais. E onde há felicidade, há amor; este sentimento tão nobre que é capaz de promover a plenitude, enfim, a plenitude de que é capaz o ser humano.























































Depois do temporal


(Eu te esperarei)





A chuva insistia; céu acinzentado. Uma tarde fria. Pessoas encapadas, algumas caminhavam apressadamente ao longo da calçada carregando seus guarda-chuvas, o trânsito irresolutamente congestionado.



Era quase impossível identificar quaisquer edifícios vistos ao além, os tons opacos, postos à intensidade do aguaceiro. Ventos uivantes voavam enfurecidos, iam e vinham para, em seguida, rasgar-se nos altos dos arranha-céus da cidade.

Do vigésimo quinto andar, Lorena Priatra observava impaciente, através da vidraça do escritório de seu trabalho, aquele clima atípico. Era fim de expediente e ela precisava voltar para casa, como de costume, em um ônibus coletivo. Mas como? Se a avenida estava parada por consequência da forte chuva.



A jovem completara vinte e seis anos no mês passado. Seu perfil psicológico era traçado por uma incrível sensibilidade aos problemas alheios; em algumas vezes impressionava aos seus colegas. Era bonita. Tinha os cabelos negros e escorridos, que davam até os ombros. Seus olhos eram cinza e penetrantes; não possuía o corpo de uma modelo, mas era esguia e elegante. Sua personalidade era simples e seu caráter era magnânimo. Começara a trabalhar desde cedo para ajudar a seus pais na economia do lar. Fez Faculdade de Administração e há um ano ocupara o cargo de secretária. Trabalhava para um advogado bem sucedido: Dr.Lúcio Solano. Um homem público que fazia sempre frequência aos meios políticos e a alta sociedade. Em seu aspecto físico aparentava meia idade. Não se importava com sua aparência, pois estava acima do seu peso normal. Assumia sua calvície como também os seus cabelos brancos. A cor de seus olhos fazia lembrar o céu nas tardes quentes de verão. Tinha a face rosada e a barba sempre por fazer. Era modesto, simpático e altruísta. Viúvo há sete anos, ele jamais encontrara alguém que substituísse a sua Amanda. Tinha um filho a quem Lorena ainda não conhecia. A secretária, por sua vez, apenas ouvia os comentários do advogado. E desde então, a impressão que o Dr. Lúcio dava a sua auxiliar era de que pai e filho entravam em constantes atritos. Para o patrão, Lorena se tornara sua fiel confidente e grande amiga.



Por outro lado era difícil para o Dr. Solano separar sua profissão dos conflitos domésticos, mesmo sabendo que um advogado deve manter a postura estável e segura.



De volta ao momento pluvial. Lorena apressava-se para enfrentar a chuva que persistia até a noite. Estava desprovida de guarda-chuva ou de um agasalho, de certo sua alternativa faria com que se molhasse na caminhada até o ponto de ônibus. No entanto, Dr. Lúcio, a contradizer todos os preceitos e preconceitos sociais, veio de encontro para prestar-lhe ajuda.



­ Não quero que a minha secretária apanhe um resfriado, para não ter a desculpa de faltar ao trabalho, pois não tolero falta! A não ser que aceite a minha carona, - disse o advogado com sua voz cativante.

A jovem virou-se para ele, e com a face iluminada por um sorriso. agradeceu-lhe:





­ Obrigada, o senhor não sabe o quanto me sinto aliviada.

Os dois caminharam até a porta do elevador em silêncio e permaneceram assim até o estacionamento.



Parecia, entretanto, que naquele dia ninguém conseguiria chegar ao seu destino. O trânsito parou e as ruas ficaram alagadas.



No interior do automóvel, Dr. Lúcio dedilhava no volante, tomado pela irritação e pela impaciência por estar ali parado por entre outros veículos.



­ Droga! Sempre quando chove esta cidade se transforma num... num... caos! Oh! Lorena, queira me desculpar... É que às vezes eu me descontrolo quando penso em meu filho Israel. Espero que ele esteja bem em casa.



Como sua confidente, Lorena não poderia negar-lhe apoio e compreensão; Notou que era o momento de deixar seu chefe desabafar toda a sua frustração. Ele, por sua vez, baixou a cabeça lentamente, parou um pouco, em seguida virou-se para ela e contestou:



­ Não, você não tem a obrigação de tolerar meus problemas familiares.

­ Doutor Lúcio, sou sua secretária, mas acho que nos tornamos amigos. Se eu puder ajudá-lo, conte comigo.

­ Ah! Lorena, é o problema de sempre. Aquele garoto está a me deixar na flor da pele - o advogado fez uma pequena pausa, enquanto a moça o aguardava desafogar suas mágoas.

­ É que ele às vezes me diz palavras tão duras, palavras desse sentido: de que não sou seu pai. Tenho consciência de que o culpado fui eu por ter mimado demais aquele menino.



Perplexa, sua secretária silencia diante daquela situação. “Como é que um pai não sabe lidar com um filho rebelde?” - pensou ela.



Naquele momento os veículos começaram a se movimentar nas rodovias, porém a formar uma longa fila que parava a todo o instante.



­ Acho que o senhor deveria ser mais seguro, sabe? O senhor precisa de mais pulso diante desse garoto. Desculpe, mas esta é a verdade.

­ Você tem razão. Mas é que ele é meu único filho, talvez seja a minha fraqueza. Depois que perdi a Amanda, eu cumpri com dois papeis: o de pai e o de mãe. E eu seria incapaz de fazer algo que pudesse magoar o Israel.

­ Dr. Doutor... o senhor sabe mais do que eu que amar é também saber controlar a sua prole. Tente ser firme com ele. Esconda o seu lado fraco.

­ Reconheço que sou um advogado que já conquistou muitas vitórias em meu estrado profissional, no entanto, como pai eu fracassei.



Depois de horas de transtornos no trânsito, finalmente os dois chegavam ao seu destino final. Lúcio Solano estacionou seu carro ao lado da residência de Lorena e buzinou para que alguém de seus familiares viesse a receber. Sua mãe abriu a porta da casa e logo avistou sua filha saindo do veículo. Lorena agradeceu ao seu chefe e se foi.







­ Olá, mãe! _ disse Lorena, beijando a face daquela senhora.

­ É, mãezinha, hoje só os peixes sobreviveriam com tanta água...

­ Mas graças a Deus que você chegou. Eu já estava preocupada. Por que você demorou assim pra chegar?

­ A senhora já sabe. O trânsito parou em consequência da chuva.

­ Agora só estou preocupada com seu irmão que ainda não chegou do trabalho.

­ Não se preocupe, mãe. Pietro logo chegará.



Lorena se dirigiu ao banheiro para tomar um banho bem quente na ducha. Ela foi rápida, pois sua vontade era de saciar sua fome e depois descansar.

O jantar estava posto à mesa. Tomou uma tigela de sopa , se deliciou com uma fatia de melancia, ricota, geleia e torradas.

Depois de alguns minutos já estava ela sentada ao lado do seu pai, o qual lia seu jornal concentradamente.



­ É, “ panhê”, posso ate imaginar a manchete de hoje: chuva e transtornos.

­ Acertou! Só se fala sobre a chuva do Rio de Janeiro _ disse o velho, sem tirar os olhos daquilo que lia.



Quando Pietro chegou do trabalho já era em tarde. Passava da meia-noite. Todos se encontravam na sala ansiosos e aflitos devido a tardia do rapaz



­ Oh! Meu Deus! Coitado do meu filho. Todo ensopado de água da chuva.



Dona Cândida, como era chamada, compadeceu-se ao ver seu filho naquele estado.



­ Pobre filho... Tome um banho quente antes que apanhe um resfriado.



Pietro parecia irritado a empresa onde trabalhava só o liberou para casa bem mais tarde.

Agora, já reunida, a família Priatra aproveitou para comentar os acontecimentos o dia.

Mais tranquila, dona Cândida pôde se recolherão seu aposento. Seu Antonio resolveu acompanhar a sua mulher.

E os dois irmãos que estavam dispostos a conversar permaneceram na sala-de-estar , acomodados no sofá que ficava ao lado de um janela de vidro.



­ Sabe, maninha, a Laura me disse que vai se casar com o Carlos, funcionário de lá da empresa.

­ É... Fico feliz por eles. Só lamento a mim mesma por não “desencalhar” nunca.



Sensibilizado, mas não pelo o que acabara de ouvir e sim pela carência amorosa a qual sua irmã afirmava ter, por isso recorreu para abraçá-la e contestar seu dito infeliz.



­ Não fale assim! Você bem sabe bem mais do que eu que há uma fila de pretendentes suspirando por ti.

­ Bem... É que eu acho tão difícil encontrar alguém que se identifique comigo, alguém que tenha os mesmos sentimentos, os mesmos ideais.

­ Você me impressiona, mana, mas acho que deveria mudar os seus conceitos. A Laura lhe deve se vai se casar. Foi você que a ajudou a segurar do inicio ao fim aquele romance. A Laura me disse que você é uma amiga muito especial para ela.

­ É , eu acho que a minha missão será sempre a de ajudar ao próximo.

­ Meu sono chegou. Vou dormir. Boa-noite, Lorena.

­ Boa noite. Descanse bem.



Embora ainda cansada, a moça se dispôs a assistir a um filme na TV, mas foi impossível ver até o final, pois o sono roubou-lhe a consciência. E ali mesmo, sobre o sofá, ela adormeceu.



Amanheceu. Lorena foi acordada por um pequeno raio de sol que vinha da fresta da janela de vidraça, decorada por cortinas de renda que se encontravam semi-abertas.



Queria ficar deitada mais um pouco, entretanto sabia que precisava chegar ao escritório às oito. Levantou-se para abrir as cortinas e para admirar aquela manhã que nascera tão irradiante após um dia de chuva prolongada. Inspirou profundamente e eliminou o gás carbônico em torno de um sorriso. Observou cada detalhe da rua: os paralelepípedos ainda estavam molhados, algumas poças d águas ainda resistiam trabalhadores que caminhavam apressados para não perderem o próximo trem, também ali por perto ela pôde admirar um grupo de estudantes em risos juvenis, a alameda que ainda respingava quando o vento soprava, um gritinho do bebê do vizinho chamou-lhe a atenção. Desta vez o céu estava azul convidativo e generoso. Lorena sentiu uma profunda paz tal qual inocente e terna. Dentro do seu intimo se fazia pensar que aquele dia nascera só para ela. Sua atenção foi desviada quando ouviu a voz de sua mãe.



­ Bom-dia! Acordou hoje mais cedo, filha?

­ Eu adormeci no sofá e nesta manhã meu amigo sol “veio me chamar”.



Depois do café da manhã Pietro, que estava atrasado para o trabalho, saiu apressado. Em seguida era a vez do Sr. Antonio que tinha uma barraca onde vendia legumes e verduras na feira.



Lorena fitou aquela figura de pai, tão forte, tão humilde, mas rico em sabedoria. A jovem se orgulhava por sua família sem se esquecer de sua mãe, a rainha do lar, criatura tão dócil e dedicada dona-de-casa. E contrastou com a família de seu chefe. Tomou o café da manhã em diálogos com a mãe e depois seguiu para o trabalho.



Acenou para o ônibus, e com muito esforço conseguiu adentrar no veiculo superlotado por trabalhadores e estudantes. Embora fosse sua rotina, Lorena aceitava os incômodos do cotidiano, porque mesmo com sua carência financeira, se sentia muito feliz.



Minutos após minutos, tomar o elevador; abrir a porta do escritório, porém a porta já estava aberta. Assustou-se ao perceber que o Dr. Lúcio havia chegado antes dela. Estava sentado ao lado da mesa executiva a analisar alguns processos. A secretária entrou e fechou a porta lentamente.



­ Bom dia, Dr. Lúcio! Desculpe. É que eu não sei se meu relógio atrasou ou o senhor chegou mais cedo...

­ Você não tem o que se desculpar. Fui eu que resolvi chegar mais cedo para adiantar algumas petições. Por favor, apanhe meu not book, ali na outra mesa.

­ Estou defendendo uma causa muito difícil. Uma senhora muito rica faleceu e passou todos os seus bens para os seus cinco gatinhos. Só que ela tinha um filho que, provavelmente, seria seu único herdeiro, o Sr. Marcos Torres. Este, por sua vez, abriu processo de impugnação na Justiça, e eu estou trabalhando ao seu favor.



­ Uau... Eu gostaria de ter sido um daqueles felinos. E quando os gatos... e quando os gatos vierem a morrer? _ Lorena demonstrava certa perplexidade e curiosidade pelo caso.



­ Os bens irão para o canil _ explicou o doutor.



­ Esse tal de Marcos não deveria ter sido um bom filho ou a Sra. Torres padecia de algum distúrbio psicológico.



­ Não sei, mas estudo esta possibilidade de que a falecida sofria de alguma anormalidade apática ao ser humano.



­ Talvez ela tivesse um psicanalista _ proferiu Lorena entusiasmada pelo caso.



­ Aquela família é claustrófobica demais. Será um árduo trabalho, o qual terei que provar a Justiça a incapacidade mental da Sra. Torres.



O ambiente foi tomado por um grande silencio. Lorena aproveitou a oportunidade para recomeçar o seu trabalho.



Enviou vários e-mails aos clientes inadimplentes. Por instantes parou para refletir os conflitos domésticos: por um lado um filho que menosprezava o pai; por outro, a própria mãe é quem desestimava o próprio filho.



­ “ Ainda bem que tenho uma família em perfeita união” _ e respirou com um certo alívio



Nesse dia ela decidiu trabalhar sem intervalo para o almoço. Pretendia deixar tudo em ordem e facilitar a atividade para seu chefe.



Absorto em seu trabalho, Dr. Lúcio só foi de dar por conta de que os dois não haviam digerido nada durante o expediente de trabalho quando passou das quinze horas.



­ Lorena... acho que trabalhamos o bastante nesta tarde. Vamos encerrar tudo isso para almoçarmos, e se me permite, gostaria que me fizesse companhia esta tarde.



A moça concordou em um leve sorriso.



Não tardou muito e o casal já estava em um restaurante muito frequentado por grandes empresários e por magistrados.



Dr. Lúcio alem de um excelente profissional, também era um ótimo cavalheiro. Deixou o cardápio por conta da jovem.



­ Vamos, Lorena, pode escolher! O almoço fica a seu critério.

­ O senhor é muito gentil, mas eu não quero decepcioná-lo _ Quase encabulada Lorena só conseguiu murmurar algumas palavras.

­ Confio plenamente em seu bom gosto. Vamos!

­ Bem... Escolherei este aqui no menu: tagliatti escuro com lagosta.

­ Ótimo! Eu também aprecio a gastronomia italiana, e este prato combina muito bem com um Riesling bem fresco e seco.

­ Noto que o senhor sabe combinar muito bem um certo prato a um bom vinho.



Desta vez, o advogado aparentava estar mais calmo, muito diferente do dia anterior, longe de preocupações. Ele observava a sua secretária com certa doçura, como se fosse algo inesperado, inexplicável.



­ Lorena..._ ele se interrompe receoso.

­ Lorena, eu tenho um profundo respeito por tié não tenho a intenção de ofendê-la, porem se é realmente minha amiga saberá me perdoar.



Ele pausou para encontrar forças e concluir sua confissão.



­ Quer se casar comigo?



Foi uma pergunta surpreendente. Sua acompanhante quase se engasgou com o vinho. Perplexa, a moça quase não conseguiu expressar-se.



­ Doutor, Dr. Lúcio, não sei como lhe responder... Eu...

­ Está bem! Desculpa! _ A expressão facial do advogado era de frustração e de vergonha.



No entanto Lorena pensava: aquela era a sua chance de sair da vida de solteira a que tanto a incomodava.



­ Não! Para mim é glorificante ouvir isso de alguém tão maravilhoso quanto o senhor. Só que... Bem, eu acho que nós dois, quero dizer que nunca ouve nada entre nós alem do profissionalismo e amizade.

­ Você quer dizer que não nos amamos conjugalmente. Eu compreendo. Dizem que a paixão geralmente vem com a convivência. Por favor, vamos tentar...Eu preciso de você.



A jovem se viu insegura, mas como negar ao pedido de um homem que lhe dera tanta confiança.















.







CAPÍTULO II



Dr. Lúcio esperava apreensivo por sua breve resposta, contudo tentou contornar a tensão da qual havia causado.



­ Olha, se quiser não precisa responder agora. Pense direito.



Ela lhe sorriu dizendo:



­ Acho que não é difícil amar alguém como o senhor. Eu aceito o seu pedido.



O advogado deixou transparecer toda a sua alegria. E em seguida chamou o garçom para pagar a conta.



Os dois saíram do restaurante e as formalidades ficaram postas de lado, embora o sentimento de respeito predominasse. Mesmo acanhado por sentir que seus afetos eram ainda de patrão e secretária, Lúcio Solano esforça-se para segurar a mão de Lorena.



Lúcio achou melhor deixar a moça em sua casa. E logo o casal já estava em frente à casa da jovem. Antes que ela fosse embora, o advogado tocou seus lábios nos dela. Lorena se despediu e seguiu em caminhadas frenéticas.



Já em casa, ela não se conteve de tanta alegria.



­ Mãe, a senhora nem imagina, mãe... Eu fui pedida em casamentôôôô....



Seu pai e seu irmão Pietro também estavam ali presentes. Todos que ali estavam entreolharam-se receosos. A futura noiva não percebeu que havia provocado um clima sombrio em sua família o que não foi a sua intenção.



­ Eu nunca lhe vi com um namorado; e como é que você vai se casar? _ contestou seu pai.

­ Filha, será que você...Oh! Meu Deus! Está grávida? _ sua mãe lastimou.

­ Não, gente! Sei que eu trouxe uma noticia surpreendente, até mesmo para mim, porque eu também nunca mantive romance com essa pessoa.

­ Não estou me agradando com essa historia. Por que não trouxe ele para cá para pedir o meu consentimento?

­ Ora, pai, claro que ele virá aqui falar com vocês. E eu acho que já estou bem crescidinha para tomar minhas próprias decisões.

­ É quem é o felizardo, mana?

­ É uma pessoa maravilhosa. Tenho a certeza de que vocês irão gostar dele. Quero fazer uma surpresa ate o dia do pedido oficial.



Passou-se uma semana. Lorena e Lúcio Solano conversavam no mesmo restaurante.



­ Não quero ser exigente com você, querida, no entanto prefiro que o nosso matrimônio seja sem cerimônia religiosa. Em resumo: gostaria que o nosso matrimônio fosse secreto. Apenas seus pais estariam presentes.



A moça ficou emudecida, sem compreender a razão do misterioso casamento.

­ Você tem todo o direito de estranhar, mas eu quero me casar o mais rápido possível.



Desta vez a voz de Lúcio soava como se estivesse impregnada de rancor. Ao sentir que estava tenso, moderou sua voz, quase em sussurros e prosseguiu;



­ Quero preparar uma grande surpresa para a minha família



Lorena o encarou seriamente.



­ Só que o senhor...

­ Por favor, Lorena, já somos íntimos...

­ Desculpa! Eu preciso me acostumar com essa ideia. O que eu quero dizer é que você não sabe se esta surpresa será agradável ou não para a sua família.

­ Querida, não há o que temer. Para ser mais específico, minha família é o meu filho. Isto por enquanto _ disse Lúcio a segurar as mãos da noiva.



­ Agora entendo. Você quer alguém que possa cuidar do seu filho.



­ Não é bem assim. Eu preciso de alguém que possa dirigir a casa onde moro. Alguém de personalidade determinada e compassiva; encontrei isso tudo em você.



­ Lorena sorriu para o advogado e acrescentou



­ Alguém de personalidade, mas que tenha muita calma para lidar com o filhão.



Naquela noite os pais de Lorena ficaram honrados por conhecer o Dr. Lúcio. Pietro os homenageou abrindo uma garrafa de champanhe.



­ Vamos saudar a família Priatra juntamente com a família Solano. E que vivam os noivos _ exclamou o irmão da noiva.



Embora de classes sociais diferentes, Dr. Lúcio se apresentou de maneira simples e sem formalidades. O advogado dirigiu-se a seu Antonio e a dona Cândida para explicar de como seria o seu inusitado casamento. Os pais da moça estranharam, mesmo assim não se opuseram por saberem que ali se tratava de um homem que poderia fazer sua família feliz.




Um pouco mais distante do diálogo dos três, Pietro e Lorena conversavam.



­ Maninha, não quero estragar sua festa, mas estou preocupado com a sua felicidade.



Sua irmã indignada o encarou.



­ Você diz isso porque estou me casando com um homem que tem o dobro da minha idade?! Que preconceito mais ridículo, meu irmão!

­ Sabe, é que me deu uma ligeira impressão que você não o ama.

­ É como você disse: é só impressão.



Lorena lhe sorriu e foi de encontro ao noivo, deixando para trás o seu irmão um tanto confuso.











CAPITULO III







Uma sequência de dias transcorriam, trazendo sempre um novo começo.



Lorena e Lúcio já estava casados . E como combinado: a cerimônia foi secreta.



As águas do rio refletiam a luz prateada da lua. O passeio de gôndola era real, mas que, para Lorena, parecia um sonho. Ao seu redor, muitos casarões antigos que concorriam espaços espaço com as catedrais venezianas, além de muitos casais apaixonados a navegar em outras gôndolas. Agora quem estava ali ao seu lado não era mais o chefe. Ele era, sobretudo, o seu homem, o seu amado, o seu esposo.



­ O que acha disso, Lorena? _ perguntou ele.

­ Uma maravilha! Gostaria que todos estivessem sentindo o que sinto agora: uma imensa felicidade... Veneza é um encanto. Eu vivo um conto de fadas e você é o meu príncipe.



Lúcio parou para admirá-la.



­ Sabe, minha querida, você me fez sentir mais jovem e muito venturoso por ter ao meu lado uma mulher linda, inteligente e de bom caráter.



O gondoleiro remava com tranquilidade pelos canais de Veneza. Turistas registravam em suas câmeras fotográficas cada detalhe daquele panorama poético, fascinante cuja arquitetura de uma antiga civilização encantava o homem moderno.



O casal foi conhecer, em seguida, algumas catedrais. Lorena encantou-se ao conhecer alguns quadros pintados por grandes artistas da época.



­ É uma obra barroca, criada por Barromini em meados do século XVII, que floresceu no ultimo período do Renascimento. – explicou Lúcio.



Lorena suspirou. Horas, depois os dois foram sentar à beira do cais. Na condição de esposo, Lúcio procurava exprimir seu romantismo diante da jovem esposa.



­ Minha doce rainha, agora sou seu cavaleiro servente.



Seu ex-chefe a tomou pela cintura e fixando seus olhos azuis penetrantes nos olhos dela e assim ele a beija com ternura, com desejo. E a moça o retribuía na certeza de que um dia seu sentimento será recíproco.











CAPÍTULO IV





Passaram-se duas semanas e Dr. Lúcio mais Lorena já estavam de volta.

Agora a ex-secretária teria um novo lar e ansiava conhecer p tal garoto que por ventura dera tantas dores de cabeça ao seu pai. Estava insegura, porém determinada a enfrentá-lo. Em frente ao portão do jardim da casa uma empregada alta e magra, a qual aparentava cinquenta anos, veio os receber. De imediato ela se ocupou de conduzir as malas para o interior da residência. O advogado aproveitou para interrogar a assistente doméstica sobre o seu filho.



­ Olha, Dr. Lúcio, aquele menino não é de ouvir conselhos. Saía pela noite e só chegava ao amanhecer.

“ Meu Deus! Um garoto!Como um pai pode permitir que uma criança fique fora de casa por tanto tempo e sozinho?”- chocada, Lorena pensou.



­ Cadê ele? Está em casa? – indagou Lúcio com certa indignação.

­ Está, senhor.



Já no interior do domicílio, Lorena não pôde deixar de observar cada detalhe daquela casa que mais se parecia com uma mansão: os moveis em estilo contemporâneo, envoltos por objetos trazidos de outras culturas, cinco porcelanas chinesas, um tapete persa que cobria a escada de mármore em forma de espiral. Uma parte da parede era tomada por uma enorme janela de vidro envolvida por elegantes cortinas italianas bordadas a fios dourados reluzentes, os estofados revestidos por luxuoso cetim acobreado. Através da vidraça era possível o suntuoso jardim bem cultivado, onde as azaleias, as rosas e as orquídeas finalizavam com um toque nobre de primavera. Pela lateral da mansão, um jardim de inverno e nos fundos, uma grande área de lazer, com piscina e quadra para esportes.



Rute havia se ausentado para chamar o filho de seu patrão. Após meia hora ele aparece.



­ Pai, aonde você esteve durante todo esse tempo? Posso saber o que andou aprontando?



Lorena ficou paralisada ao descobrir que aquele “garoto” já não era tão garoto assim. E jamais presenciou uma cena tão inusitada e constrangedora: o rapaz usava apenas uma cueca branca. A moça, encabulada, baixou seu olhar. Ele descia as escadas em coletivos protestos.



­ Israel, você perdeu a compostura!? Vá se vestir! Quero ter uma conversa contigo! _ Lúcio foi firme e decidido.

­ Eu não sabia que estava com visitas. Diz logo o que tem a me dizer!

­ Não! Primeiramente, vá se vestir!



Israel seguiu para seu quarto, enquanto Lorena sentava no sofá a manifestar a sua indignação.



­ Não, você não me disse que seu filho já era um homem. Lúcio, você omitiu isso de mim, fazendo com que eu imaginasse que Israel fosse ainda uma criança.

­ Perdoe-me, querida! Eu...não sei como lhe explicar. Acho que ficaria envergonhado se você soubesse que meu filho já era bem grandinho para fazer o que faz, mas meu filho tem apenas vinte e um anos e, para mim, ele ainda é um garoto. Perdoe-me mais uma vez...não era a minha intenção envolvê-la neste clima desagradável.

­ Eu acho... – Lorena foi interrompida bruscamente.



O casal se voltou para Israel que descia as escadas. Desta vez mais composto. Vestia uma calça jeans e camiseta manga curta. Era alto e tinha um corpo atleta. Cabelos castanho-escuros cujo comprimento beirava o lóbulo das orelhas. Sobrancelhas longas e escuras. Geneticamente tinha os olhos azuis de seu pai. Era um belo rapaz, mas de comportamento hostil.



Dr. Lúcio preparou-se para as apresentações.



­ Israel, esta é Lorena...a Sra. Solano, minha esposa.



O rapaz encarou o casal e sua expressão era de raiva, de revolta, protestando em seguida:



­ Eu sabia que você não era meu pai, pois um pai não comete tamanha atrocidade a um filho. De uma coisa eu tenho certeza: é de que ela jamais irá substituir a minha mãe..



Em passos apressados, o jovem seguiu para a rua, deixando Lorena pasmada. Seu esposo tentou contornar a situação desculpando-se mais uma vez.



­ Oh! Querida! Preciso contar contigo para que eu encontre forças para lidar com Israel.

­ Não precisa se desculpar! Eu me esforçarei para ser uma ótima amiga de seu filho.



No dia seguinte Lorena fez uma breve visita aos seus pais que comovidos pela saudade, vieram a receber com um forte abraço. Pietro que estava no trabalho chegou logo depois e não se conteve em abraçar sua irmã rodopiando com ela pela sala, deixando-a quase tonta. Havia muitas novidades a serem ditas e a moça só foi embora quando entardeceu.



Ao chegar a casa, seu marido ainda não tinha chegado do escritório e se viu solitária. Procurou por Rute, uma vez que a assistente doméstica, por trabalhar a anos para aquela família, já fazia parte dela, achou conveniente discutir a relação de Lúcio com seu filho.



­ Rute, diga-me a verdade: Israel sempre agiu de forma tão severa com seu pai ou ele carrega algum trauma depois da morte da mãe?

­ Quando pequeno aquele menino era muito mimado pela mãe. O Dr. Lúcio trabalhava demais e quase não estava presente ao lado do filho. Quando Dona Amanda faleceu Israel sofreu muito e ele atribuiu a causa da morte da mãe ao pai. Acho que ele nunca superou o trauma de ter perdido a mãe até hoje.



Um ruído brusco vindo da porta da rua fez chamar a atenção das duas. Era ele, que desde o incidente da noite anterior não havia surgido em casa. Passou pela sala em silencio, cheirando a álcool e lançando seu olhar de desprezo sobre as duas e seguiu até a cozinha.



Passaram-se algumas horas e logo Dr. Lúcio também já estava presente.



­ Estou precisando de uma nova secretária

­ Que não seja por isso. Eu quero voltar a ser a sua secretária. – disse Lorena ao abraçar o seu esposo.

­ Querida, não precisa se preocupar com isso. Você já é a secretária do nosso lar.

­ E aquela questão da Senhora Torre e seus cinco gatinhos, como ficaram?

­ O processo ainda está em andamento, mas estou confiante na vitória.





A semana parecia correr rápida, e naquela manhã de sexta-feira Lorena se dispôs a fazer uma inspeção por todos os cômodos da casa. Apenas o quarto de Israel estava em perfeita desordem. A moça não hesitou. Chamou a sua assistente e lhe propôs uma condição; o seu enteado teria que, a partir daquele dia, arrumar seu próprio quarto, sem a ajuda de ninguém.



­ Eu acho que Israel não vai atender ao seu pedido, dona Lorena.

­ Eu já disse que não quero ver ninguém arrumando este quarto, a não ser aquele garoto!



E o dono daquele quarto estava ausente e quando chegou Lorena seguiu em sua direção.



­ Garoto, preciso falar com você. Sabe que o ser humano não conseguiria viver sem regras. Por isso quero que saiba que as coisas vão mudar nesta casa, a começar de hoje: você irá arrumar seu quarto todos os dias. O almoço e o jantar serão servidos nos seus respectivos horários determinados por mim. E se você se atrasar vai almoçar na cozinha e lavar a louça que sujar.



Israel pôs-se a rir ironicamente.



­ Vejam só quem quer me dar sermões... Nem mesmo minha mãe agia assim comigo. Você pensa que sou ingênuo.



Ele calou-se por alguns instantes para respirar mais fundo e logo em seguida prosseguiu.



­ Garotas não se casam com homens muito mais velhos apenas por amor. Há sempre aquele jogo de perde-ganha – a voz do rapaz soava ríspida e seu olhar lançava reprovação àquele casamento.

­ Veja como fala comigo. Eu sou sua madrasta – disse ela indignada.

­ Madrasta!? Ah! Não me faça rir novamente



Israel subiu as escadas em longas gargalhadas, enquanto Lorena tentava controlar sua raiva.



À noite, Lúcio Solano chegou do trabalho com a aparência visivelmente abatida. Sua esposa foi ao seu encontro, e ele comentou em um tom amargurado.



­ Eu fui derrotado. Pela primeira vez em minha vida, fui derrotado. Aqueles cinco gatinhos venceram a questão.

­ Querido, isso não é motivo para você se amargurar. Nem todos os advogados conseguem colecionar tantas causas ganhas quanto você. Meu campeão! – e ela o beija com carinho.

­ Ah! Querida... Ele a abraçou – só você me faz sentir invulnerável diante dos imprevistos da vida.



Logo após aquele lamentável incidente, o jantar foi servido em um horário determinado por Lorena. E como sempre, Israel não estava presente. Seu pai adiantou-se para chamá-lo pelo celular, no entanto foi detido por sua esposa.



­ Não! Deixa-o! Israel já sabe das regras para o almoço e para o jantar.



Vários dias se passaram e aos poucos o rapaz aprendia o novo regime, imposto por sua madrasta, embora continuasse com o mesmo comportamento agressivo. Certo dia, seu pai o chamou em particular para uma conversa de homem para homem.



­ Filho, está na hora de basta nesta vida promiscua, terminar sua faculdade e arranjar um bom emprego.

­ Minha vida não é promiscua porque eu não curto drogas, você sabe disso. E porque agora acha que eu deva continuar o estudo se você nunca se importou com isso?

­ Israel, você não ficará toda a vida a depender de mim. Terá que alcançar status e depois se casar.

­ Que conversa mais sinistra. Depois que trouxe aquela mulherzinha pra cá deu pra ficar falando asneiras.

­ Olha o respeito! E o que eu lhe digo é um conselho de amigo – Lúcio o alertou.



No dia seguinte o advogado voltou do trabalho com uma grande novidade.



­ Pessoal, trago uma notícia e espero que seja agradável a todos. Eu acabei de me candidatar a deputado estadual.

­ Que maravilha! Lorena exclamou e só desfez de sua alegria quando soube que seu marido teria que fazer várias viagens por razão dos comícios os quais seriam realizados em várias cidades do Rio de Janeiro.























CAPÍTULO V





Sucessivos dias se passaram até o momento em que Lúcio Solano partiu para outra cidade na busca de seu sonho político. Era uma quinta-feira e Lorena estava só. Rute havia saído para assistir à missa e depois passaria a noite na casa de sua irmã. E Israel, como sempre, na rua. O relógio marcava onze horas da noite e, para atenuar a sua solidão, ligou a TV para não perder a novela. De repente percebeu que alguém abria a porta principal. Ela logo imaginou que fosse Lúcio e correu para recebê-lo. Porem, seu anseio foi morrendo quando deparou com Israel a exalar álcool.



­ Por que me olha desse jeito? Com certeza deve estar se perguntando se eu uso narcóticos. Eu apenas bebo! B.E.B.O.!

­ De qualquer forma você está se autodestruindo.



Lorena voltou para assistir à sua novela na sala-de-estar. Mas audácia de Israel foi bem mais longe: desligou a televisão na presença da madrasta contestando com arrogância em seguida.



­ Eu quero assistir aos meus vídeos. Vá assistir às suas novelas em seu quarto!



A madrasta levantou-se do sofá bruscamente, já vermelha de raiva, protestando em seguida.



­ Você não se atreva desligar a TV em minha frente!

­ Eu já disse: vá para o seu quarto e me deixe em paz!



Lorena se retirou para seu aposento. Não chorava, contudo sentia um ódio inconsolável. Seu desejo era de esmurrar a cara de Israel. Permaneceu estendida sobre a cama e por fim adormeceu.



No dia seguinte ela se levantou mais cedo e já estava na cozinha a frigir dois ovos para o café da manhã. Rute não havia chegado por esse motivo Lorena se dispôs a lavar as louças. E para espantar a sua solidão ela cantarolava enquanto ensaboava os pratos. Percebeu que tinha alguém por trás a observá-la. Já sabia que era o seu enteado e já estava se acostumando com o insulto dele. Porém não deu importância a isso e continuou com sua atividade.



­ Eu a quero...



Lorena franziu a testa após duvidar no que acabara de ouvir. Continuou a lavar louças, quando sentiu dois braços envolvendo sua cintura. Voltou-se de frente para ele e este por sua vez tentava lhe beijar.



­ Pare com isso, Israel!



Ela lutava para se livrar de seus braços.



­ É inútil tentar fugir de mim – e completou – sexo frágil e... linda... Eu a quero!



Era uma tentação ouvir aquelas palavras de um jovem irresistivelmente belo, entretanto de um gênio intransigente. Por outro lado, Lorena deveria manter seus princípios de fidelidade e se livrar de Israel a todo custo. Sua assistente doméstica apareceu naquele exato momento e deparou com a cena espantosa. A sua patroa se viu embaraçada diante daquele episodio, enquanto o rapaz se retirava da cozinha sem mais nada a dizer. As duas permaneceram frente a frente. Rute ergueu uma das sobrancelhas fazendo-se ar de dúvida.



­ Ru-Rute... na-não é nada disso que você está pensando.FFFoi ele quem me atacou. Você não deveria ter me deixado aqui sozinha.



A empregada a aconselhou com a sua voz calma e lenta.



­ Só lhe digo isso: cuidado com Israel, para mais tarde não se magoar.

­ Rute, eu acho que você não acreditou em nada do que eu disse.



Depois daquele acontecimento enfadonho, Lorena resolveu caminhar um pouco pelo calçadão. Estava muito tensa e preocupada. Recusava a imaginar na reação de Lúcio se ele viesse a descobrir o tal incidente como provaria a sua inocência. Uma simples atração não poderia ser confundida com traição e imaginava que seu caráter era mais forte.



Pela tarde, Lorena estava no jardim da sua casa a contemplar as flores, como era de costume, quando foi chamada por Rute para que fosse atender ao telefone. Segurou o aparelho e logo ouviu uma voz que vinha do outro lado da linha: ao inesperado, trágico!

Seu coração acelerou. Precisava estar urgente no aeroporto. Pegou um táxi e em alguns minutos ela já estava lá. Ficou confirmado. Um avião bimotor que conduzia pretendentes ao cargo eleitoral do Rio e mais três tripulantes caiu quando tentava pousar no aeroporto. Ninguém sobreviveu e Lúcio Solano estava naquele avião. A sua visão ficou sem foco até se escurecer por completo.



Já era noite quando Lorena recobrou os sentidos. Estava em um quarto de hospital ao lado de sua mãe que lhe segurava a mão direita, tentando confortá-la. E as lágrimas da jovem correram sobre a face.



Foi o momento mais difícil de sua vida. Estava no velório. Sua mãe, dona Cândida, abraçava a sua filha. Havia muitas pessoas no interior do recinto. Dentre elas, parlamentares, jornalistas, clientes do próprio Dr. Lúcio e um irmão do seu marido, um fazendeiro o qual Lorena só o vira uma vez. A jovem direcionou seu olhar sobre os indivíduos ali presentes e avistou Israel que chorava solitário. O sepultamento foi realizado horas depois. E Lorena suspirou a tristeza.



As horas levam os dias, os dias as semanas. Meses após meses. Lorena superava o trauma de forma gradativa. Resolveu ir ao shopping para amenizar a sua melancolia. Comprou algumas roupas da estação. Era primavera e o momento era oportuno para mudar o seu visual. Ao voltar para casa sentou-se no sofá. Seu pensamento estava repleto de preocupações. Recebia a pensão a qual seu marido deixara, mas pretendia voltar a trabalhar e vender sua parte do casarão que, por lei, também lhe pertencia, mas estava consciente de que Israel era o principal herdeiro. E se continuasse naquela mansão provavelmente seria humilhada e massacrada por seu enteado. Porém, acostumou ao conforto do qual a casa lhe proporcionara.



Rute adentrou na sala e lhe ofereceu suco de maracujá.



­ Isso lhe fará bem.

­ Obrigada, Rute.



Lorena, para esquecer de que estava só, decidiu ir á casa de seus pais.



­ Olá, mãe! Como tem passado, pai?



Abraçou seus pais com comoção.



­ Minha menina, - disse sua mãe – você está mais magra, no entanto está mais bonita. Quer tomar café?

­ Obrigada, mãe.



Os três sentaram-se no sofá da sala para beberem o café. Seu Antonio observou a filha e fez um comentário.



­ Lorena, você parece abatida... mas eu entendo porquê.

­ É.. são as contingências da vida. - A jovem silenciou e logo retomou a conversa.

­ Mãe, posso ficar para o jantar e esperar por Pietro?

­ Mas, claro, filha, a casa é sua!



Dona Cândida fez uma breve recordação dos tempos de infância de seus filhos. As duas crianças eram tão unidas que a dona de casa se orgulhava disso. E sempre foi assim, até na vida adulta.



O diálogo foi interrompido pelo baque da porta da sala. Era Pietro que acabava de chegar do trabalho. Em seguida ele abraçou sua irmã. Depois proferiu



­ E então, querida maninha, como se sente?

­ Muito bem, graças a vocês.



O diálogo se estendeu até o final do jantar. Lorena percebeu que já estava tarde e adiantou-se para ir embora. Seus irmão se ofereceu para levá-la no veiculo dela.



­ Mano, não se preocupe. Não quero lhe dar trabalho.

­ E eu tenho coragem de te deixar ir sozinha a esta hora, com tanta violência que há nesta cidade ? Depois eu volto de táxi.



Pelas ruas, Lorena encontrou uma grande oportunidade para desabafar com seu irmão. Falou sobre seu enteado e os conflitos que lhes envolviam.



­ Esse rapaz de que você fala deve ser imaturo. Ele ainda carrega características próprias de um adolescente rebelde.

­ Ele não é mais um adolescente. Israel tem a sua idade. – rebateu Lorena.

­ Seu enteado deve ser mesmo um neurótico.



Restavam alguns minutos para ela estar no portão de sua residência. Despediu-se de Pietro e seguiu pelo jardim adentro. Surpreendeu-se ao descobrir Israel quase imperceptível naquela semi-escuridão na enseada da casa. Ele se fez de barreira contra ela interrogando-a posteriormente.



­ Quem é ele?

­ Olha, Israel, isso não te diz respeito. Agora, dá licença?



Lorena tentou caminhar em direção a entrada, contudo o rapaz estava determinado em segui-la e insistia com a pergunta.



­ Eu acho que tenho todo o direito de preservar a integridade moral de minha família, uma vez que você se juntou a minha família, enganando a meu pai e a todos. Não quero que os outros criem uma imagem de meus familiares uma imagem de vergonha por sua causa!



Lorena deu dois passos para trás em sua autodefesa.



­ Se há alguém sem vergonha é você. Sue pai tinha razão por chamá-lo de garoto. Sua idade mental é infantil. Ah! Vou aproveitar este momento para dizer que eu quero vender a minha parte desta casa e me ver livre de você.

­ Se quiser ir embora, que vá, mas não verá um centavo desta casa que, por sinal, foi da minha mãe. E você está aqui como intrusa.

­ Pois então, se não quiser comprar a parte desta intrusa aqui viverá pessimamente ao lado dela, ou pensa que eu não conheço os meus direitos?



Seu enteado não mais contestou e seguiu direto para seu quarto.



O dia amanheceu ensolarado. Era uma boa ocasião para procurar emprego. Com os benefícios que Lúcio deixara para Lorena se tornaria desnecessário obter emprego, porém a moça sentia a necessidade de ir à luta e de se sentir útil.



Por conseguinte lhe foi posto o cargo de secretária executiva. A partir daquele momento seus dias corriam com tranquilidade e seu salário era o bastante compensador. Por ser uma mulher atraente, surgiram vários pretendentes, inclusive o diretor da própria empresa. Mas o coração de Lorena estava fechado, fragmentado, aturdido. Seu maior alívio era, sempre que podia, ajudar às instituições de caridade.



Domingo Lorena recebeu a visita de seu irmão.

­ Pietro! Mas que surpresa agradável!

­ Vim convidá-la para darmos um passeio e comermos fora..



Israel descia as escadas e quando notou que sua madrasta estava em companhia de um estranho, reteve-se para espioná-los.



­ Eu amo você e me orgulho dessa nossa tão sólida união. – disse Lorena ao seu irmão.



Ela se ausentou por alguns instantes para se arrumar. Pôs um vestido longo, de tons azuis e prata e com decote ousado, o que valorizava seu busto. Deixou os cabelos presos. Estava deslumbrante. Ao descer as escadas foi vista por seu enteado que estava às escondidas e que não se conteve em lançar olhares de cobiça sobre ela.



­ Você está encantadora... – disse Pietro num leve sorriso.

­ Aceito seu losonjeiro. Agora vamos?

Os dois seguiram alegremente.



Visitaram o parque de diversões. O passeio na montanha-russa foi a maior emoção. Em seguida Pietro comprou pipocas só para matar a saudade do seu tempo de criança. E por fim foram almoçar em um pequeno restaurante.



­ Maninha, desculpa por não poder lhe oferecer o melhor restaurante da cidade.

­ Pietro, larga disso! Você sabe que eu sou uma pessoa que admira a simplicidade. Eu amei tudo isso e ao seu lado me sinto melhor ainda.

­ Lorena... ele meditou antes de concluir – por que não tenta um novo casamento?



A jovem baixou o olhar que revelava uma certa perturbação.



­ Quando eu era solteira tinha um enorme desejo de me casar. Agora que fiquei viúva me sinto bem em estar só. Israel é que... Ela se interrompeu.

­ Israel é que...? – Pietro não se conteve na sua expectativa.

­ O meu enteado é que não me deixa viver em paz.

­ Você pensa que me engana! – exclamou seu irmão sorrindo para ela e concluiu:

­ Eu sei exatamente o que está sentindo. Está apaixonada por esse carinha e não quer me dizer.



Lorena se viu embaraçada, mas tentou ser clara.



­ Ora, Pietro, eu odeio Israel. Não entendo por que o fez pensar assim de mim.

­ Não quero lhe machucar mas... você sofreu quando perdeu seu marido, agora noto que está sofrendo por uma outra razão. Talvez seja por amar o homem errado.

­ Você formulou conclusões precipitadas. Eu já lhe disse que desprezo aquele rapaz. E ele também me odeia.

­ Mesmo assim, continuam convivendo na mesma casa. Você está apaixonada por esse tal de Israel e não se dá por conta desse amor.



Lorena parou apreensiva. Seu irmão teria razão ao afirmar que ela estava amando seu próprio enteado? Contudo, teria que fugir de si mesma para não ferir seu orgulho.



Horas ocorridas e já estava ela em sua casa. Ao passar pela sala, surpreendeu-se ao ver Israel beijando uma loura sobre o sofá. Passou pelo casal em passos apressados e vermelha de fúria foi ate a cozinha chamar a empregada.



­ Rute, o que significa aquela cena na sala? Será que você não sabe agir quando eu não estou presente?

­ Dona Lorena, eu não posso me meter na vida desse menino.

­ E pára de chamá-lo de menino! Ele precisa respeitar as pessoas que moram nesta casa.



Lorena tentou relaxar e ficou a aguardar a “tal mocinha” (como ela pensava) ir embora. Depois que a loura se foi, Israel continuou esticado no sofá. Foi o momento para Lorena entrar em ação.

­ Israel! Quero falar com você!



Ele parecia inabalado, com o olhar fixo para o teto.



­ Escuta! Eu fui criada com princípios morais. E acho que você tem por obrigação de respeitar a dignidade dos que aqui moram.



O rapaz começou a rir e lhe respondeu com mesma forma agressiva.



­ Ora, vejam só! Ela agora se faz de moralista, no entanto trás seus homens para dentro de casa.

­ Você está me ofendendo!

­ Sinto muito, mas, você foi a primeira a me ofender. Há pouco tempo meu pai faleceu e você não teve o menor pesar. Sei que ande de romance com um idiota.



Lorena lembrou-se de Pietro e só pode concluir que Israel se referia ao seu próprio irmão. Achou melhor que seu enteado continuasse equivocado e a pensar que seu irmão Pietro fosse o seu mais recente namorado.



­ Olha só! Ficou muda. Eu sabia que você nunca amou meu pai, porque não passa de uma mulher vulgar.



Desta vez Lorena não mais protestou e seu único desejo era que aquele rapaz se retirasse de sua frente. Ele, por sua vez, parecia ler seus pensamentos. Encarou-a severamente, em seguida se dirigiu à rua. A moça pôde respirar aliviada, porém com certa preocupação. Ela estava com ciúmes, ciúmes de Israel com uma mulher que ele próprio trouxera para casa, apenas uma vez. E o pior, como havia dito seu irmão Pietro, estava apaixonada por Israel. Um sentimento que ela se negava admitir.











CAPÍTULO VII





Os dias se passavam rápidos e Lorena precisou trabalhar com mais intensidade para desviar seu pensamento das tribulações indesejáveis, e até chegou a negar várias vezes os convites para um jantar com o diretor da empresa onde trabalhava.



­ Você é mesmo impossível. – dizia ele.

­ Desculpe, é que eu não estou em um bom momento.



Numa tarde de sábado Lorena recebeu um telefonema de seu irmão. Israel estava na sala ao lado a ler uma revista. Aquela foi uma grande oportunidade para a jovem deixar seu enteado irritado.





­ Ola, Pietro. Como tem passado? Como? Está me convidando para um jantar em casa. Que surpresa agradável! Então haverá um pedido de casamento. Está certo. Estarei as dezenove em ponto. Um beijo! Tchau!



Ela desligou o telefone. Depois olhou para Israel sentado na poltrona a ler uma revista uma revista e imaginou que ele fosse reagir contra aquele convite. Entretanto o rapaz se mostrou invulnerável, com sua atenção voltada para o que lia.



Imediatamente. Lorena procurou por Rute e mandou que preparasse o jantar só para Israel, visto que jantaria ela fora•. Em seguida, subiu as escadas e caminhou até a sua suíte. Preferiu tomar um banho em sua banheira de hidromassagem. Apanhou o roupão e seguiu para o quarto. Ela se maquiava quando percebeu um vulto através do espelho. Olhou para trás e ali estava em sua frente: Israel! Ele parecia furioso e a encarava seriamente.



­ Você não vai a jantar algum! – disse ele. – É o meu dever preservar o nome da minha família!

­ O que você pensa que eu sou para entrar em meu quarto desse jeito? Quer me dar licença e se retirar? Eu preciso me arrumar para sair.

­ Lorena, você não vai nem que seja preciso trancá-la neste quarto.



Lorena parou admirada. Era a primeira vez em que Israel a chamou por seu nome.



­ Ah! É? – disse a moça – pois então, sabe o que vai acontecer? Eu vou gritar e bater na porta até que alguém ouça e chame a polícia.

­ Você se engana. Porque vai ficar aqui bem quietinha, e como estarei ao seu lado, não permitirei que faça nenhuma gracinha.

­ Não me ameace! Eu vou passar por aquela porta e você não vai me impedir!



A face da jovem ficou rubra de raiva, mas Israel, por sua atitude, foi implacável e ao mesmo tempo infantil. Ele a segurou com firmeza e ela, por sua vez, esmurrava os ombros do rapaz.



­ Seu cretino, me larga! – ela implorava em soluços.



O confronto parecia ser violento, até o instante em Lorena caiu sobre a cama e ele sobre ela. Naquele momento a quietude do silencio envolveu todo o quarto. Israel a encarava com ternura. E por um impulso suas mãos começaram a acariciar o rosto suado da moça. Lorena só se deu por de que Israel vestia apenas calça jeans quando ela tocou nos ombros dele. Ela podia até sentir as batidas do coração daquele homem o qual acabara de arrebatar o coração dela. Sentiu também o seu hálito quente tocar em seu pescoço. A jovem se viu entorpecida e cedeu a relutância de Israel.



Ficaram assim por alguns minutos. Não era coação, não era petulância. Lorena sabia que era um desejo recíproco. O olhar do rapaz era de afeto e solícito. Ela compreendeu e segurou a nuca de Israel para beijá-lo. Era uma paixão que ardia o peito de Lorena. E o rapaz era ávido e seus beijos tocavam pescoço e ombros da jovem. No entanto o que ela mais desejava era ouvir a voz de Israel a dizer que a amava.



­ Israel... – ela sussurrava.

­ Sim!

­ Você chamou pelo meu nome pela primeira vez.

­ Eu chamei? Bem... Escapou.

­ Agora me diz a verdade!

­ Que verdade?



Lorena sentiu um repentino receio e logo se levantou da cama. O rapaz não entendeu a reação da moça e sentou-se no mesmo leito.



Ela tentou se explicar.



­ Eu- eu não quero que pense que sou uma mulher vulgar. Casei com seu pai e no momento estou com você.

­ Mas eu quero você. Eu acho que me...



Ele se interrompeu e Lorena, ansiosa, esperava que ele completasse a frase como: “me apaixonei por você”, no entanto Israel calou-se o que deixou a jovem com uma ligeira frustração.



O rapaz agarrou-a com ternura e parecia perceber o sentimento de Lorena por ele.



­ Você... Você não quer admitir me amar. Mas entendo. Fui muito duro contigo.



Se ele se negava a confessar o seu próprio amor, ela, mesmo para não contrariar o seu próprio orgulho, também não confessaria. Usou um subterfúgio falando sobre Lúcio.



­ Seu pai sempre me dizia que o amor dele por você era tão grande que ele se sentia incapaz de feri-lo em qualquer situação aparente.



Israel caminhou pelo quarto tentando esconder suas lágrimas.



­ Eu... amava o meu pai. De forma rudimentar, mas o amava.



Lorena correu para abraçá-lo e dar-lhe conforto.



­ Lorena... Me perdoa!



E ela lhe respondeu com beijos e carícias. Permaneceram assim por alguns minutos até o momento em que Israel resolveu abdicar à sua tentativa de ergástulo.



­ Não vou mais impedir que saia com seu namorado.



Lorena não se conteve em rir e confessou em seguida:



­ Eu não tenho namorado, e se você se refere ao Pietro, ele não é meu namorado: ele é meu irmão.



O sorriso que se fez na face de Israel denotava alívio.



­ Por que não me disse antes?

­ Você ficou com ciúmes de mim com meu próprio irmão? Vamos, confessa! – ela foi objetiva e centralizada.



E mais uma vez, o rapaz calou-se e sem pronunciar sequer um só monossílabo, retirou-se do quarto. Agora era Lorena que não o entendia. Lembrou-se, então, do jantar na casa de seus pais. Consultou o seu relógio e notou que estava atrasada, e por outro lado, se sentia indisposta. Achou melhor telefonar e avisar a Pietro que não estava se sentindo bem.



­ O que você está sentindo, maninha? – do outro lado da linha, a voz de seu irmão soava assustada.

­ Não, não se assuste! É apenas um mal-estar. Amanhã eu passo por aí. Feliz noivado. Tchau!



Lorena cumpriu o que havia prometido no dia seguinte. Foi a casa de seus pais parabenizar seu irmão pelo noivado.



­ Mãe, vim me desculpar por não estar aqui presente para o jantar dos noivos.

­ Você não tem o que se desculpar. Agora vamos esperar por Pietro que já deve chegar do trabalho. – disse Dona Cândida.



Lorena tomava café quando seu irmão chegou muito feliz e acompanhado pela noiva. Pietro adiantou-se para as apresentações:



­ Maninha, esta é Ana Carla. Carla, esta é Lorena, como já sabemos, a minha irmã.



As duas se cumprimentaram e Lorena aproveitou para fazer um elogio.



­ Meu irmão teve muita sorte, pois encontrou uma jovem muito bonita.

­ Bondade sua. Você que é muito bonito – proferiu a noiva de modo amistoso.



Apesar do esforço para mostrar-se feliz, Lorena sentia em seu âmago uma profunda desolação e, sobretudo, o desejo de voltar para casa.



­ Filha, pelo menos, fica pra o almoço! – sua mãe insistia.

­ Fica pra outra vez, mãe. Obrigada.



Pietro ao notar a preocupação de sua irmã, decidiu acompanhá-la até a saída.



­ O que está acontecendo contigo, mana?

­ Não aconteceu nada. – a voz de Lorena cambaleava.

­ O garotão de lá continua a dar trabalho.

­ Para ser sincera, tivemos um curto romance, só que ele sumiu, como de costume. Ligo para o celular dele, mas ele não atende.

­ Ele é muito misterioso – completou Pietro.



Ela despediu-se de seu irmão e seguiu em seu automóvel. Já em sua residência, jovem experimentou o vazio da solidão muda, decreta e dolorosa.



Era domingo e, como sempre, Rute havia saído para assistir à missa o que só fazia aumentar a sua angústia. Lembrou-se, então, de seus amigos. O quanto havia se afastado deles. Lamentava sua solidão, contudo se acatava ao desatino de estar só.



Deitou-se no sofá inerte em seus pensamentos. Dúvidas e inseguranças circulavam por sua mente.



­ Israel... – pensou alto – o que será que anda a fazer?



Desejou beber algo. Escolheu um espumante gelado e logo após se dirigiu a vidraça da janela para observar o jardim. Fazia um bom tempo que não prestava atenção às flores tão delicadas e esquecidas. A roseira que crescia ao lado do muro precisava ser podada e os crisântemos, debilitados e sem viço. As palmeiras encontravam-se ressecadas. Só o tufo de azaléias imperava em sua exuberância por entre as flores esmaecidas.



­ Meu Deus! Como sou descuidada! Preciso contratar um jardineiro urgente!



Embora irrevogavelmente culpada pelo descuido do seu pequeno horto, sentiu-se compensada ao admirar o céu azul e o sol radiante, sem o incômodo de nuvens. Era tarde de primavera e Lorena decidiu esquecer as desilusões e dar as mãos à felicidade. Mas que para isso, precisava romper seu sentimento de “ mulher apaixonada” por Israel. Foi em vão! Seu subconsciente lhe atormentava, com a fixação de que só Israel era o seu amado inconsequente. Foi descansar em seu quarto e adormeceu com os mesmos vestes.



Segunda-feira seguinte, ela acordou mal-humorada e com uma sensação esquisita.

Não foi fácil se concentrar em sua atividade no trabalho



­ Lorena!? O diretor solicitava.

­ Oh! Queria me desculpar...

­ Está se sentindo bem?

­ Não é nada, obrigada.



Dia após dia, durante semanas, Lorena vivia uma grande dúvida que a afligia. Israel foi embora, sem dizer para aonde.



“O que teria acontecido com ele?” - pensou.



Imaginou chamar a polícia, porém deteve-se ao pegar no telefone. Seria uma posição desnecessária, uma vez que já era costume do rapaz passar vários dias fora de casa e sem noticiar a ninguém.



Era sábado e o dia estava luminoso, convidativo. A jovem abraçou aquela oportunidade e foi à praia, enterrar sua frustração na areia.



Estendeu uma toalha sobre as pedrinhas da orla e sentou-se ali. Contemplou o mar como se fosse pela primeira vez. Sentiu o cheiro da maresia e banhou os seus pés nas ondas e iam e vinham em ritmos majestosos trazendo consigo espumas esbranquiçadas que em seguida se desmanchavam ao tocar nas areias. Um destemido surfista estava mais adiante sobre as águas ondulantes da maré, a desafiar as ondas. Era impressionante: o equilíbrio e a força; o homem e as águas. Havia dezenas de banhistas compartilhando um pedaço de areia. Pouco a pouco Lorena fez crer que não havia uma razão aparente para se violentar por um monógamo amor.



­ Fechei a porta da felicidade, mas agora é momento de abrir.



Voltou para casa. Sua assistente doméstica já a aguardava para o almoço. Banhou-se nas águas frias do chuveiro. Vestiu uma blusa regata e um short jeans. Em seguida, sentou-se à mesa da cozinha. Seu apetite foi grande, e até instigou um diálogo com Rute.



­ Está uma delícia este almoço!

­ Obrigada. – agradeceu Rute ao enxugar suas mãos no avental.

­ Ouça aqui, Rute: amanhã é domingo e certamente você irá à missa. Gostaria que rezasse por mim, aliás, pela humanidade.

­ Eu sempre oro por todos, sobretudo pela senhora e pelo menino Israel.

­ Onde quer que ele esteja, espero que esteja bem.



Ao cair da noite seu irmão Pietro acompanhado por sua noiva Ana Carla apareceram

na casa de Lorena.



­ Que surpresa maravilhosa! - proferiu sua irmã ostentando um largo sorriso.

­ Querida mana, prepare-se para uma outra surpresa. Viemos lhe convidar para ser a madrinha do nosso casamento, isto é, se você concordar.

­ E por que eu haveria de recusar?para mim é uma honra. Principalmente por saber que meu irmão está feliz.



Os três acomodaram-se no sofá . Lorena serviu um drinque.



­ Você tem uma bela casa. Espero que o meu noivo tenha uma postura requintada e que possa construir uma casa como esta. – disse Ana Carla, sem receio.



Meio encabulado, Pietro contradisse-lhe:



­ Bem que eu gostaria, só que o meu salário não oferece tanto...

­ Eu quero ajudar a vocês a construir uma boa casa, ampla e bonita. Pode ser aqui mesmo na Zona Sul? – Lorena entusiasmada, se dispôs a ajudar seu irmão.



Antes de opinar, o rapaz silenciou por alguns segundos para refletir , enquanto os demais aguardavam por seu pronunciamento.



­ Bem, maninha, admiro muito a sua generosidade. O que você está a nos oferecer é um ato dispendioso. Não quero que pense que é orgulho da minha parte. Não me leve a mal, mas considero isto desnecessário. Perdoa-me!

­ Por favor...me deixe ajudar! Vou me sentir muito feliz podendo ajudá-los. E faço votos que escolham morarem próximos à minha residência. E... Vocês ainda não me disseram a data do casamento.

­ Ainda não marcamos – respondeu Pietro- no entanto pensamos em nos casar no próximo inverno.

­ Inverno? Desculpe a minha indiscrição, mas se fosse eu esperaria pela primavera. O inverno... o inverno nos transmite um clima nostálgico. Nos dá o desejo de se reprimir, e na primavera o nosso desejo se transforma no desabrochar das flores, no anseio de ir além, sem ficar com aborrecimentos. A primavera revela todo o encantamento do romantismo. No entanto, depende da personalidade de cada um de nós.

­ Mana, você foi tão poética e tão espiritualista que quase viajei nas flores. Bem, eu concordo plenamente, só que eu e a Carla opinamos pelo inverno por coincidir com os meses em que teremos maiores comissões Nós dois trabalhamos na mesma empresa e nosso salário aumentará justamente nesse período de frio.- Pietro tentou explicar.



O dialogo se estendeu pela noite adentro, até que Ana Carla solicitou ao seu noivo para irem embora. O casal, em vista disso, despediram-se de Lorena e, antes que eles saíssem, a dona da casa lhe propôs um convite.



­ Estou pensando em preparar um jantar em homenagem aos noivos. Me aguardem!





































CAPÍTULO VIII





O verão havia chegado e, com ele, trazia os primeiros sinais característicos daquela estação. E por consequência do aquecimento global, o calor era bem maior que os verões anteriores.

Lorena estava em seu quarto a navegar pela internet, seu mundo de informações, quando ouviu o toque do seu celular. Surpreendeu-se ao identificar o chamado: era Israel.



­ Israel?! – sua voz soava trêmula.



_ “Lorena, me desculpa! Fugi de você para fugir de mim mesmo. Mesmo assim, preciso de você.”



O coração da jovem sorriu de felicidade. Entretanto conteve-se para não ferir seu próprio orgulho. Tentou ser firme.



­ Onde você está, Israel?

­ “Não tão distante. Em breve nos veremos.”



Ele desligou o celular. E Lorena procurava uma razão para absorver aquela atitude inexplicável e miserável.





­ Israel quer brincar com meus sentimentos. E eu estou me comportando como uma adolescente idiota.



Quantos domingos ela tivera que passar solitária, talvez não fosse o único, e aquele dia amanhecera chuvoso. O vento soprava furioso. Sua velocidade era suficiente para derrubar uma arvore. Era uma tempestade torrencial, típica de verão.



Lorena cancelou toda sua programação daquele dia. Parecia predestinada à solidão.

Seu olhar melancólico procurou a janela da sala e observou através da vidraça a chuva que chorava por ela. O presente momento a conduzia à remotas lembranças, não tão remotas; o dia em que chovia , e ela estava no escritório esperando impacientemente a chuva passar, quando Dr. Lúcio, cordialmente, ofereceu-lhe carona. Lembrou-se também do seu sentimento por ele. Lúcio estava convicto de que as pessoas podiam se amar com a convivência. Casaram-se, mas nunca confessara a ninguém que seu amor por Lúcio era da mais pura amizade. O que mais a impressionava era que o advogado sentia-se bem assim, e se contentava com o fato de tê-la por perto.



De retorno ao presente, a jovem agora sofria com aquele vazio ecoando em seu âmago. Abominou “os domingos” e aquela insistente chuva que caia. Decidiu, então, para acalmar seus pensamentos inquietos, assistir a um vídeo musical. Optou por “Lest Kiss” do Pearl Jam em homenagem a Lúcio, o que só fez aumentar sua angústia. Desligou o som e seguiu para o quarto. Repousar ficou difícil para ela e encontrou uma solução em seus tranquilizantes. E por fim, ela adormeceu.



Quando acordou já era noite. A chuva persistia com a mesma proporção. Olhou ao seu redor e todo o recinto estava tomado por uma insólita escuridão. Levantou-se da cama para acender a luz, mas a iluminação não aparecia. Percebeu através da vidraça que o ambiente lá fora também estava escuro.



­ Provavelmente a chuva foi a causa dessa falta de energia elétrica – pensou

­ O celular! Cadê meu celular? Mas, como encontrá-lo nesta escuridão?



Lorena começou a tatear os móveis do quarto, embora levando alguns tropeços, seu esforço foi em vão. Dirigiu-se até o oratório da residência para apanhar uma vela. Desta vez foi cautelosa para não cambalear de novo, quando, de repente, ouviu um movimento brusco vindo da sala de visitas. A moça se viu pasma. Seu coração acelerou e seu corpo tremia. Por um instante percebeu um vulto na penumbra do interior da casa. Lorena nada mais pôde fazer, senão ficar imóvel, escondida, ao lado do oratório. A certa distância, ela percebeu, pela silhueta, que se tratava de um homem, mas que certamente não enxergaria a face do tal estranho.

O tenebroso homem subiu as escadas, surgindo, assim, uma grande oportunidade para Lorena pegar o telefone e chamar a polícia. Caminhou com extremo cuidado até a banqueta onde ficava o aparelho.



­ Alô! Alô! Meu Deus... o telefone não funciona. Deve ter ocorrido algum problema na linha.



Em vista do perigo que poderia estar passando, apanhou um objeto qualquer para sua autodefesa. No momento em que tentava se esconder, sentiu, pelas suas costas, uma mão tocar em seu ombro esquerdo. A moça não se controlou: deu um grito abafando seus lábios com as mãos, e quase caiu das escadas, mas conseguiu chegar até seu quarto. Suas mãos tremulavam ao trancar a porta, e o pavor tomara conta de si. Escutou o som da maçaneta quando gira. A porta estava trancada, no entanto, de qualquer forma, o bandido arrombaria a porta e ela estaria perdida. O que ele pretendia?



Estava vivendo um terrível pesadelo, até o momento em que ouviu uma voz a qual lhe parecia familiar.



­ Lorena! Abrar! Sou eu!



Lorena enxugou suas lágrimas e abriu a porta. O estado da jovem ainda era de pânico. E ali em sua frente estava Israel a segurar um celular para que iluminasse apenas os rostos de ambos. Os dois se olharam em silencio por alguns segundos. E logo o rapaz recorreu para abraçá-la. Lorena sentiu que os vestes dele estavam molhados pela chuva. O visor do celular apagou, e de súbito, Lorena afastou-se dele. Sentia raiva, uma grande raiva por tudo que ele a fez passar.



Seu irresponsável! Seu louco! Seu imaturo! Se eu sofresse do coração já estaria morta.



Ele baixou a cabeça e lamentou:



­ Desculpa. Abri a porta com a chave que carrego, e no interior da casa estava tudo escuro e muito silencioso. Imaginei que não houvesse ninguém. Escutei um ruído próximo ao oratório, e quando aproximei de você lhe causei esse horror.



Ela hesitou momentaneamente exclamando em seguida:



­ Está bem! Eu já o perdoei por esta falta, mas pela consideração que você não teve, serei bem enfática: não o perdoou! Você simplesmente sumiu.

­ Eu entendo perfeitamente. E se eu estivesse em seu lugar faria bem pior. Você sabe que sou de um gênio intransigente e por isso resolvi me afastar daqui, da sua vida. E por falar em vida, eu sempre pus a minha em dúvidas. A verdade é que eu não sou nenhum drogado e nem tão pouco trafico narcóticos. Os amigos que tenho são dos bares e as garotas com quem estive são apenas garotas. Fui um cara rebelde, sim, porém você me fez ver a vida de outro ângulo. Agora, está curiosa para saber por onde eu andava. Claro!Nestes últimos meses estava na fazenda do meu tio trabalhando como administrador das terras. Lorena... eu fugi apenas para te esquecer. Me incomodava bastante a ideia de me ver amando a mulher que um dia se casara com meu pai. Contudo, aqui estou, atropelando aquele antigo conceito e, para lhe dizer que não suportei ficar sem você. Lorena, eu te amo com toda a minha rusticidade que lhe possa aparentar, mas te amo.



Naquele momento o recinto no qual os dois estavam iluminou-se de maneira que parecia trazer uma esperança remota e sofrida, transformada em realidade e prazer. Lorena agora pôde contemplar o lindo rosto do rapaz. Seus cabelos ainda estavam úmidos. Seu olhar solícito desejava amor, desejava resgatar aquele amor perdido.



Lorena ainda estava confusa. Não conseguia acreditar no que acabara de ouvir. “Não, rapazes como ele não se apaixonam por mulheres como ela”. Ela concluiu sua própria referencia. E deu as costas para ele.



­ Eu não consigo acreditar em você.



O rapaz caminhou em sua direção e ao tentar segurá-la, Lorena se opôs.



­ Não insista! Não brinque com os sentimentos alheios como se fossem bola de pingue-pongue.

­ Então, me diz o que posso fazer para que acredite em mim.



Um silêncio febril envolveu aquele aposento. A moça se achou impotente, presa por dois braços ávidos, intrépidos e envolventes...



­ Por favor, me ama! Mas me ama com ternura.



Foi lindo demais ouvir aquelas doces palavras, e saiam dos lábios de Israel. Ainda chovia lá fora, mas com menos intensidade. E assim lábios foram se aproximando um do outro até que se tocaram. Era um beijo candente e tão desejado. De madrasta a amante. Lorena dizia para si: “Acho que Lúcio, de certa forma, sacrificou sua vida por uma causa: a minha e a do seu filho.”



Lorena sentiu seu vestido cair do seu corpo. Em seguida ele a carregou e lhe estendeu sobre a cama. Sofreguidão rústica por beijar, e nas carícias que serpentearam as curvas dos seus corpos.



­ Agora me disse... – ele sussurrava - Quero ter o prazer inebriante de ouvir sua voz a me dizer que me ama.



Israel conseguiu rançar um sorriso dos lábios dela. Lorena segurou a nuca do rapaz, beijando-o em seguida.



­ Oh! Amor, você não faz ideia o quanto te amo. – ela lhe disse com um leve sorriso.



E o casal se beijou novamente.



Lá fora a chuva agora caia com menos força.



Quando amanheceu a chuva já havia cessado, embora algumas nuvens carregadas ainda persistiam. Era segunda-feira e Lorena precisava estar às oito no escritório. Ergueu-se da cama às pressas, pois se atrasara, no entanto Israel a deteve segurando seu braço.



­ Não vá trabalhar hoje! Eu quero te contemplar, quero te ver na luz do dia, te desejar...tocar em teu corpo, sentir o teu calor...



Ela lhe sorriu dizendo:



­ Ora, e se eu for demitida?

­ Não tem importância. Amanhã você se casa comigo.

­ Tolinho... E se amanhã você der um adeus?

­ Este adeus será com suicídio por você hoje não ter me amado.



Era um momento de frenética felicidade. Beijos e carícias eram constantes entre os dois apaixonados.



­ Posso lhe ser sincero? Quando meu pai apresentou você a mim, eu senti certa inveja dele. Você ao lado do meu pai, tão linda e eu sem ninguém.

­ Seu pai e eu formávamos um belo casal.

­ Nós dois é que somos um casal interessante. – ressaltou Israel.

­ Pois saiba que seu pai foi um homem exemplar.



Em seguida, foram tomar o café da manhã.









CAPÍTULO IX



Os dois sempre que podiam saiam para se divertirem. Numa certa tarde Lorena fez uma visitação à casa de seus pais para apresentar Israel como seu futuro esposo. Seu Antonio ficou muito surpreso com a novidade: sua filha estava prestes a se casar, e com o filho de seu falecido marido.



­ O mais importante é que você seja muito feliz. – disse o pai.

­ Ô filha, como conciliar esposa e madrasta ao mesmo tempo?

­ Mãe, agora é apenas esposa. Falando assim vai parecer que eu sempre tive um relacionamento extraconjugal com o meu ex-enteado.

­ Desculpa, filha. Não falei por mal.



Ao cair da noite, Lorena e Israel já estavam em casa.



­ Amor, amanhã eu volto para a fazenda do meu tio. Ele precisa de mim lá nas terras.

­ Você não está pensando em me abandonar novamente...

­ Abandonar você é como me entregar a um fado cruel. Nunca se esqueça de que te amo.



Lorena lhe sorriu seco pela decisão tomada por Israel, acatou, no entanto, de forma compassiva.



Na manhã do dia seguinte, o rapaz tomou café e apressou-se para seguir seu destino à fazenda.



­ Vamos combinar um dia para que você conheça o meu tio.

­ Eu já tive a oportunidade de conhecê-lo, embora fosse em circunstâncias bem tristes: no velório do Lúcio.

­ É verdade, mas eu quero apresentá-la como minha mulher.



Os dois se beijaram com ternura, e Israel partiu , partiu mais uma vez, deixando a jovem na incerteza. Rute estava na sala e Lorena não se conteve em interrogá-la.



­ Me diz a verdade, Rute, você acha que ele gosta de mim?

­ Ele está criando juízo. Eu acho que a paixão entre vocês fez um enorme bem para ele. Nem a mãe ele tratava assim, com tanto afeto.

­ Foi bom ouvir isso de você, Rute. Eu estava tão insegura quando vi Israel partir mais uma vez..



Agora, em plena harmonia com a vida, sobretudo, harmonia consigo mesma, a jovem sonhava. Era como retornar à sua adolescência. A noite estava presente e seu desejo era de ler a um bom livro, um livro que lhe trouxesse novas ideias, um desses que lhe fizesse mergulhar no oceano do novo. Foi até a estante e achou magnífica a escolha que fez: retirou dali um livro de crônicas de Vinícius de Moraes, “Para uma menina, com amor”. Sublime leitura, a qual descrevia com minúcia profundos sentimentos humanitários, em delicadas palavras espiritualizadas pelo autor. Leu e releu. Olhou em volta de seu quarto e descobriu que ele era o seu pequeno mundo e se viu imersa de contentamento de novas descobertas.



Estava a sonhar com as crônicas de Vinicius, quando ouviu o toque do seu celular.



­ Oi, Lorena. Liguei para dizer que amanhã eu volto para casa e também para dizer que te amo.

­ Meu lindinho, sinto sua falta. Vou contar as horas e os minutos até você chegar. Beijos... também te amo.



Israel cumpriu, no dia seguinte, o que havia prometido. Agora estava ao lado do seu amor.



­ Israel, vamos ao teatro hoje à noite?

­ Vamos ao teatro e depois à balada, mas antes disso, quero matar minha saudade: vem para os meus braços.



E de jeito ávido, ósculos e caricias envolviam o jovem casal.



Anoiteceu. Lorena se arrumava para assistir à peça teatral, enquanto Israel fazia a barba. Minutos após minutos, os dois estavam prontos.



­ Você está uma princesa. – disse ele com doçura, e ela lhe sorri.

­ Vamos ver a peça de “miss Saigon”, vamos conhecer a história da vietnamita que tem um caso com um militar norte-americano.



Logo depois, Israel conduzia o transporte, enquanto Lorena conversava. Percorreram pela cidade a dentro. O curso dos veículos estava razoável. A quietude da noite pelas estradas abrandava o estresse do dia a dia. Um semáforo adiante indicou que os carros a parassem. O sinal de trânsito estava localizado em uma via de pouco acesso, próximo a um viaduto. Israel acuou seu automóvel e já se sentia impaciente por aguardar pelo sinal verde. Lorena avisou ao seu lado direito dois indivíduos trajando jaquetas escuras e capacetes da mesma cor, seguiam numa Honda. De forma brusca, os dois estranhos pararam a motocicleta e se aproximaram do carro do casal. De inicio, um dos homens bateu no vidro da janela do carro no qual se encontravam Lorena e Israel, dando sinal para que os ocupantes saíssem de dentro do veiculo. O casal entreolhou-se prevendo o que estava para acontecer. Israel, com cautela, abriu a porta do veículo e saiu em silêncio. Lorena, por sua vez, obedecia ao comando dos bandidos, os quais ameaçavam com extrema rispidez. Eram assaltantes, e o que se imaginava era que eles pretendiam roubar aquele automóvel. O momento era tenso. Lorena suava frio e permanecia calada. Israel apreensivo observava os dois salteadores devidamente armados, os quais ameaçavam a todo o momento a atirar se o casal não atendesse às suas exigências. Israel aproveitou um momento de distração de um dos assaltantes e o segurou por trás, tentando tomar-lhe a arma, o que não foi tarefa fácil. O bandido era bem mais forte que a vitima. Por outro lado, Lorena se desesperou. Até que se ouviu um estampido. Israel havia esquecido do segundo criminoso que impiedosamente acertara um tiro no peito do jovem que logo cambaleou e caiu sobre o asfalto. De forma contundente e tenebrosa o sangue lhe escapou por entre a camisa. Lorena recorreu aos prantos para ajudar o seu amado.



­ Por favor, alguém me ajude! – gritava ela, enquanto os bandidos partiam com o seu veículo.



Israel foi levado à emergência. Minutos dentro do hospital, Lorena caminhava sem consolo e muito nervosa pelo corredor em busca de notícias sobre o estado de saúde de Israel. O transitar de enfermeiras, seus auxiliares e pacientes eram constantes naquele longo corredor de hospital, até que mais adiante, precisamente junto à unidade de tratamento intensivo, a moça avistou um homem de jaleco branco que vinha ao seu encontro.



­ Sra. Lorena Solano? – interrogou o médico.

­ Sim, doutor! Como ele está?

­ O estado do rapaz é muito delicado. Ele perdeu muito sangue e ...além disso há uma bala alojada entre o estômago e pâncreas . Neste momento ele se prepara para a remoção do projétil na sala de cirurgia.



Lorena levantou suas mãos até o maxilar, denotando uma expressiva preocupação.



­ Meu Deus... Vou comunicar esta ocorrência à minha família e aos parentes dele.



Pelo celular, ela falou para cada um dos familiares o trágico acontecimento. Era evidente que para a jovem, por mais relutância que fosse seu sofrimento, não aceitaria mais uma perda e ainda porque se tratava de alguém da qual amava com paixão.



Após uma hora, algumas pessoas começaram a aparecer. O tio fazendeiro e um primo de Israel, também vieram: dona Cândida e Pietro para prestarem solidariedade.



Oh!Deus... Filha, como isso foi acontecer?

Assalto, mãe. Israel reagiu e o bandido atirou.



Cinco horas depois a cirurgia chegava ao final. Israel permanecia desacordado. E o desejo de todos ali presente aconteceu: Israel não corria mais risco de morte. E Lorena pôde voltar para casa aliviada. Precisou tomar um banho de ducha para relaxar. Relaxar? Parecia impossível.



­ Eu perdi o Lúcio de forma tão trágica. Agora não posso perder Israel. Não!



Rute estava ali por perto e orava para que a recuperação do rapaz fosse rápida. Lorena, desta vez, se juntou à sua assistente do lar, seguindo aquela atitude e rezou agradecendo pela vida, não só a de Israel, mas a vida de cada um, de cada ser que carrega por si o seu próprio destino.



No outro dia, ela foi à delegacia para depor. Em seguida, estava no hospital, ao lado do leito de seu amor. “Pobre amor”, que dormia sob efeitos de sedativos. Lorena segurou as mãos dele às quais mostravam frias e pálidas.



­ Meu amor, você vai ficar bem!- ela afirmava com acuidade.

Ao se inclinar para afagar os cabelos do rapaz, Lorena percebeu que as mãos dele se moviam e notou também que os olhos de Israel aos poucos descerravam. A jovem tentou segurar sua emoção para preservar a saúde do rapaz. Ele esforçou-se para pronunciar algo e a sua amada lhe sorriu.



A partir daí uma sequência de dias se somaram, com idas e vindas da jovem Lorena ao hospital. Algumas das vezes, seu irmão Pietro a acompanhava e em outras ocasiões, era o tio fazendeiro que se fazia presença. Ele era um senhor que muito lembrava o seu marido Lúcio, tanto pela aparência, como pela polidez, mas pouco falava. Naquele dia o tio fez uma breve visita a seu sobrinho e se despediu do casal.



Um médico adentrou no quarto o qual se encontrava Israel e informou a Lorena que no dia seguinte o rapaz teria alta. Ela repetiu a notícia ao paciente.



­ Graças a Deus! Eu não suportava mais a ideia de ter que ficar naquela casa sem você. – ela proferiu, beijando-o na testa.



Nasceu mais uma nova manhã; o dia em que Israel ficaria livre daquele leito de hospital. De volta para casa, Lorena carregava alguns pertences os quais o jovem usou durante os dias em que esteve na Unidade Hospitalar.



Caminharam até o estacionamento da casa de saúde.



­ É o nosso carro?!- o rapaz questionou irresoluto.

­ A Polícia do Rio conseguiu resgatá-lo e prender os dois bandidos - Lorena informou e o advertiu:

­ Da próxima vez, não reaja, tá bom?

­ Não haverá próxima vez, porque tenho um projeto de vida bastante interessante para nós dois, entretanto só relato quando chegarmos a casa.



Lorena foi quem conduziu o veículo, embora ainda carregasse o sentimento de medo, de trauma. O estampido da arma ainda ecoava dentro da cabeça da jovem, após àquela noite de pavor. No entanto, o dia estava irradiante e tranquilo.



Chegando a seu lar.



­ Eu acho que passei mais de uma semana em jejum de amor. – Israel articulou lançando seu olhar de desejo para sua amada e ansiava para tê-la em seus braços.

­ Calma, querido! Primeiro me diz qual o projeto que você tem em mente?

­ Olha, não me sinto mais motivado em viver nesta metrópole por esta razão gostaria que fôssemos morar lá na fazenda do meu tio.

­ Realmente, não encontramos mais segurança nesta conturbada vida de cidade grande. Mas, o que dirá seu tio se nós chegássemos assim de muda?

­ Ele já havia me convidado, faz um bom tempo. Meu tio possui várias propriedades e doou para mim um de seus casarões lá na roça.

­ Isso é muito bom! Lorena sorriu para Israel.

­ Agora vamos para o nosso quarto e comemorar nossa felicidade, celebrar nosso novo começo. O rapaz estava solícito.

­ Espera! Você deve estar com bastante fome. Vou pedir a Rute para que prepare um mingau para você.

­ Mingau? Não! Já tomei demais lá no hospital. Eu quero macarronada e... você! Ele caminhou de maneira ávida para carregar sua amada.

­ Israel, não se esforce desta forma! Lembre-se de que está operado – advertiu a jovem.



Ele a pôs no chão.



­ Está bem. Agora vem me beijar! Não vê que estou carente?



Ela atendeu ao seu pedido com um beijo espontâneo, desses que só a paixão é capaz de elucidar.



Subiram às escadas e tão logo parecia que o pequeno universo do casal os aguardava. Era surpreendente! Pétalas de rosas lançadas por diferentes lados, velas perfumadas acompanhavam os rodapés do quarto, muitos bombons sobre a cama, e sobre uma cômoda havia uma champanhe gelada. Israel observou cada pormenor, parando seu olhar em Lorena. Ele lhe sorri fascinado.



­ Ficou perfeito! Agora, vem cá! Vem cá, mulher! Minha mulher...



E os dois se beijaram mais uma vez. Depois Lorena decidiu colocar um CD para ouvir uma canção intitulada como “The Reason”, interpretada por um grupo chamado Hoobastank.



Dançaram com poesia e romantismo, e trocaram adjetivos eloquentes, apaixonados e sensuais.



­ Como escapar deste clichê? Mas tenho que dizer que te amo. - Israel proferiu.

­ O amor é falado em todas as línguas. É um sublime sentimento. E é por isso que eu também me orgulho de sentir o mesmo por você: eu te amo... – e ela, mais uma vez o beijou, ao som do “The Reason”.



Quem sabe era mesmo esse o destino que Deus traçara para eles. Mas de uma coisa Lorena tinha certeza: a felicidade, muitas vezes, é construída por sacrifícios, passando por caminhos dificultosos, mas determinantes para se alcançar a eficácia e os valores morais. E onde há felicidade, há amor; este sentimento tão nobre que é capaz de promover a plenitude, enfim, a plenitude de que é capaz o ser humano.
































































Depois do temporal


(Eu te esperarei)





A chuva insistia; céu acinzentado. Uma tarde fria. Pessoas encapadas, algumas caminhavam apressadamente ao longo da calçada carregando seus guarda-chuvas, o trânsito irresolutamente congestionado.



Era quase impossível identificar quaisquer edifícios vistos ao além, os tons opacos, postos à intensidade do aguaceiro. Ventos uivantes voavam enfurecidos, iam e vinham para, em seguida, rasgar-se nos altos dos arranha-céus da cidade.

Do vigésimo quinto andar, Lorena Priatra observava impaciente, através da vidraça do escritório de seu trabalho, aquele clima atípico. Era fim de expediente e ela precisava voltar para casa, como de costume, em um ônibus coletivo. Mas como? Se a avenida estava parada por consequência da forte chuva.



A jovem completara vinte e seis anos no mês passado. Seu perfil psicológico era traçado por uma incrível sensibilidade aos problemas alheios; em algumas vezes impressionava aos seus colegas. Era bonita. Tinha os cabelos negros e escorridos, que davam até os ombros. Seus olhos eram cinza e penetrantes; não possuía o corpo de uma modelo, mas era esguia e elegante. Sua personalidade era simples e seu caráter era magnânimo. Começara a trabalhar desde cedo para ajudar a seus pais na economia do lar. Fez Faculdade de Administração e há um ano ocupara o cargo de secretária. Trabalhava para um advogado bem sucedido: Dr.Lúcio Solano. Um homem público que fazia sempre frequência aos meios políticos e a alta sociedade. Em seu aspecto físico aparentava meia idade. Não se importava com sua aparência, pois estava acima do seu peso normal. Assumia sua calvície como também os seus cabelos brancos. A cor de seus olhos fazia lembrar o céu nas tardes quentes de verão. Tinha a face rosada e a barba sempre por fazer. Era modesto, simpático e altruísta. Viúvo há sete anos, ele jamais encontrara alguém que substituísse a sua Amanda. Tinha um filho a quem Lorena ainda não conhecia. A secretária, por sua vez, apenas ouvia os comentários do advogado. E desde então, a impressão que o Dr. Lúcio dava a sua auxiliar era de que pai e filho entravam em constantes atritos. Para o patrão, Lorena se tornara sua fiel confidente e grande amiga.



Por outro lado era difícil para o Dr. Solano separar sua profissão dos conflitos domésticos, mesmo sabendo que um advogado deve manter a postura estável e segura.



De volta ao momento pluvial. Lorena apressava-se para enfrentar a chuva que persistia até a noite. Estava desprovida de guarda-chuva ou de um agasalho, de certo sua alternativa faria com que se molhasse na caminhada até o ponto de ônibus. No entanto, Dr. Lúcio, a contradizer todos os preceitos e preconceitos sociais, veio de encontro para prestar-lhe ajuda.



­ Não quero que a minha secretária apanhe um resfriado, para não ter a desculpa de faltar ao trabalho, pois não tolero falta! A não ser que aceite a minha carona, - disse o advogado com sua voz cativante.

A jovem virou-se para ele, e com a face iluminada por um sorriso. agradeceu-lhe:





­ Obrigada, o senhor não sabe o quanto me sinto aliviada.

Os dois caminharam até a porta do elevador em silêncio e permaneceram assim até o estacionamento.



Parecia, entretanto, que naquele dia ninguém conseguiria chegar ao seu destino. O trânsito parou e as ruas ficaram alagadas.



No interior do automóvel, Dr. Lúcio dedilhava no volante, tomado pela irritação e pela impaciência por estar ali parado por entre outros veículos.



­ Droga! Sempre quando chove esta cidade se transforma num... num... caos! Oh! Lorena, queira me desculpar... É que às vezes eu me descontrolo quando penso em meu filho Israel. Espero que ele esteja bem em casa.



Como sua confidente, Lorena não poderia negar-lhe apoio e compreensão; Notou que era o momento de deixar seu chefe desabafar toda a sua frustração. Ele, por sua vez, baixou a cabeça lentamente, parou um pouco, em seguida virou-se para ela e contestou:



­ Não, você não tem a obrigação de tolerar meus problemas familiares.

­ Doutor Lúcio, sou sua secretária, mas acho que nos tornamos amigos. Se eu puder ajudá-lo, conte comigo.

­ Ah! Lorena, é o problema de sempre. Aquele garoto está a me deixar na flor da pele - o advogado fez uma pequena pausa, enquanto a moça o aguardava desafogar suas mágoas.

­ É que ele às vezes me diz palavras tão duras, palavras desse sentido: de que não sou seu pai. Tenho consciência de que o culpado fui eu por ter mimado demais aquele menino.



Perplexa, sua secretária silencia diante daquela situação. “Como é que um pai não sabe lidar com um filho rebelde?” - pensou ela.



Naquele momento os veículos começaram a se movimentar nas rodovias, porém a formar uma longa fila que parava a todo o instante.



­ Acho que o senhor deveria ser mais seguro, sabe? O senhor precisa de mais pulso diante desse garoto. Desculpe, mas esta é a verdade.

­ Você tem razão. Mas é que ele é meu único filho, talvez seja a minha fraqueza. Depois que perdi a Amanda, eu cumpri com dois papeis: o de pai e o de mãe. E eu seria incapaz de fazer algo que pudesse magoar o Israel.

­ Dr. Doutor... o senhor sabe mais do que eu que amar é também saber controlar a sua prole. Tente ser firme com ele. Esconda o seu lado fraco.

­ Reconheço que sou um advogado que já conquistou muitas vitórias em meu estrado profissional, no entanto, como pai eu fracassei.



Depois de horas de transtornos no trânsito, finalmente os dois chegavam ao seu destino final. Lúcio Solano estacionou seu carro ao lado da residência de Lorena e buzinou para que alguém de seus familiares viesse a receber. Sua mãe abriu a porta da casa e logo avistou sua filha saindo do veículo. Lorena agradeceu ao seu chefe e se foi.







­ Olá, mãe! _ disse Lorena, beijando a face daquela senhora.

­ É, mãezinha, hoje só os peixes sobreviveriam com tanta água...

­ Mas graças a Deus que você chegou. Eu já estava preocupada. Por que você demorou assim pra chegar?

­ A senhora já sabe. O trânsito parou em consequência da chuva.

­ Agora só estou preocupada com seu irmão que ainda não chegou do trabalho.

­ Não se preocupe, mãe. Pietro logo chegará.



Lorena se dirigiu ao banheiro para tomar um banho bem quente na ducha. Ela foi rápida, pois sua vontade era de saciar sua fome e depois descansar.

O jantar estava posto à mesa. Tomou uma tigela de sopa , se deliciou com uma fatia de melancia, ricota, geleia e torradas.

Depois de alguns minutos já estava ela sentada ao lado do seu pai, o qual lia seu jornal concentradamente.



­ É, “ panhê”, posso ate imaginar a manchete de hoje: chuva e transtornos.

­ Acertou! Só se fala sobre a chuva do Rio de Janeiro _ disse o velho, sem tirar os olhos daquilo que lia.



Quando Pietro chegou do trabalho já era em tarde. Passava da meia-noite. Todos se encontravam na sala ansiosos e aflitos devido a tardia do rapaz



­ Oh! Meu Deus! Coitado do meu filho. Todo ensopado de água da chuva.



Dona Cândida, como era chamada, compadeceu-se ao ver seu filho naquele estado.



­ Pobre filho... Tome um banho quente antes que apanhe um resfriado.



Pietro parecia irritado a empresa onde trabalhava só o liberou para casa bem mais tarde.

Agora, já reunida, a família Priatra aproveitou para comentar os acontecimentos o dia.

Mais tranquila, dona Cândida pôde se recolherão seu aposento. Seu Antonio resolveu acompanhar a sua mulher.

E os dois irmãos que estavam dispostos a conversar permaneceram na sala-de-estar , acomodados no sofá que ficava ao lado de um janela de vidro.



­ Sabe, maninha, a Laura me disse que vai se casar com o Carlos, funcionário de lá da empresa.

­ É... Fico feliz por eles. Só lamento a mim mesma por não “desencalhar” nunca.



Sensibilizado, mas não pelo o que acabara de ouvir e sim pela carência amorosa a qual sua irmã afirmava ter, por isso recorreu para abraçá-la e contestar seu dito infeliz.



­ Não fale assim! Você bem sabe bem mais do que eu que há uma fila de pretendentes suspirando por ti.

­ Bem... É que eu acho tão difícil encontrar alguém que se identifique comigo, alguém que tenha os mesmos sentimentos, os mesmos ideais.

­ Você me impressiona, mana, mas acho que deveria mudar os seus conceitos. A Laura lhe deve se vai se casar. Foi você que a ajudou a segurar do inicio ao fim aquele romance. A Laura me disse que você é uma amiga muito especial para ela.

­ É , eu acho que a minha missão será sempre a de ajudar ao próximo.

­ Meu sono chegou. Vou dormir. Boa-noite, Lorena.

­ Boa noite. Descanse bem.



Embora ainda cansada, a moça se dispôs a assistir a um filme na TV, mas foi impossível ver até o final, pois o sono roubou-lhe a consciência. E ali mesmo, sobre o sofá, ela adormeceu.



Amanheceu. Lorena foi acordada por um pequeno raio de sol que vinha da fresta da janela de vidraça, decorada por cortinas de renda que se encontravam semi-abertas.



Queria ficar deitada mais um pouco, entretanto sabia que precisava chegar ao escritório às oito. Levantou-se para abrir as cortinas e para admirar aquela manhã que nascera tão irradiante após um dia de chuva prolongada. Inspirou profundamente e eliminou o gás carbônico em torno de um sorriso. Observou cada detalhe da rua: os paralelepípedos ainda estavam molhados, algumas poças d águas ainda resistiam trabalhadores que caminhavam apressados para não perderem o próximo trem, também ali por perto ela pôde admirar um grupo de estudantes em risos juvenis, a alameda que ainda respingava quando o vento soprava, um gritinho do bebê do vizinho chamou-lhe a atenção. Desta vez o céu estava azul convidativo e generoso. Lorena sentiu uma profunda paz tal qual inocente e terna. Dentro do seu intimo se fazia pensar que aquele dia nascera só para ela. Sua atenção foi desviada quando ouviu a voz de sua mãe.



­ Bom-dia! Acordou hoje mais cedo, filha?

­ Eu adormeci no sofá e nesta manhã meu amigo sol “veio me chamar”.



Depois do café da manhã Pietro, que estava atrasado para o trabalho, saiu apressado. Em seguida era a vez do Sr. Antonio que tinha uma barraca onde vendia legumes e verduras na feira.



Lorena fitou aquela figura de pai, tão forte, tão humilde, mas rico em sabedoria. A jovem se orgulhava por sua família sem se esquecer de sua mãe, a rainha do lar, criatura tão dócil e dedicada dona-de-casa. E contrastou com a família de seu chefe. Tomou o café da manhã em diálogos com a mãe e depois seguiu para o trabalho.



Acenou para o ônibus, e com muito esforço conseguiu adentrar no veiculo superlotado por trabalhadores e estudantes. Embora fosse sua rotina, Lorena aceitava os incômodos do cotidiano, porque mesmo com sua carência financeira, se sentia muito feliz.



Minutos após minutos, tomar o elevador; abrir a porta do escritório, porém a porta já estava aberta. Assustou-se ao perceber que o Dr. Lúcio havia chegado antes dela. Estava sentado ao lado da mesa executiva a analisar alguns processos. A secretária entrou e fechou a porta lentamente.



­ Bom dia, Dr. Lúcio! Desculpe. É que eu não sei se meu relógio atrasou ou o senhor chegou mais cedo...

­ Você não tem o que se desculpar. Fui eu que resolvi chegar mais cedo para adiantar algumas petições. Por favor, apanhe meu not book, ali na outra mesa.

­ Estou defendendo uma causa muito difícil. Uma senhora muito rica faleceu e passou todos os seus bens para os seus cinco gatinhos. Só que ela tinha um filho que, provavelmente, seria seu único herdeiro, o Sr. Marcos Torres. Este, por sua vez, abriu processo de impugnação na Justiça, e eu estou trabalhando ao seu favor.



­ Uau... Eu gostaria de ter sido um daqueles felinos. E quando os gatos... e quando os gatos vierem a morrer? _ Lorena demonstrava certa perplexidade e curiosidade pelo caso.



­ Os bens irão para o canil _ explicou o doutor.



­ Esse tal de Marcos não deveria ter sido um bom filho ou a Sra. Torres padecia de algum distúrbio psicológico.



­ Não sei, mas estudo esta possibilidade de que a falecida sofria de alguma anormalidade apática ao ser humano.



­ Talvez ela tivesse um psicanalista _ proferiu Lorena entusiasmada pelo caso.



­ Aquela família é claustrófobica demais. Será um árduo trabalho, o qual terei que provar a Justiça a incapacidade mental da Sra. Torres.



O ambiente foi tomado por um grande silencio. Lorena aproveitou a oportunidade para recomeçar o seu trabalho.



Enviou vários e-mails aos clientes inadimplentes. Por instantes parou para refletir os conflitos domésticos: por um lado um filho que menosprezava o pai; por outro, a própria mãe é quem desestimava o próprio filho.



­ “ Ainda bem que tenho uma família em perfeita união” _ e respirou com um certo alívio



Nesse dia ela decidiu trabalhar sem intervalo para o almoço. Pretendia deixar tudo em ordem e facilitar a atividade para seu chefe.



Absorto em seu trabalho, Dr. Lúcio só foi de dar por conta de que os dois não haviam digerido nada durante o expediente de trabalho quando passou das quinze horas.



­ Lorena... acho que trabalhamos o bastante nesta tarde. Vamos encerrar tudo isso para almoçarmos, e se me permite, gostaria que me fizesse companhia esta tarde.



A moça concordou em um leve sorriso.



Não tardou muito e o casal já estava em um restaurante muito frequentado por grandes empresários e por magistrados.



Dr. Lúcio alem de um excelente profissional, também era um ótimo cavalheiro. Deixou o cardápio por conta da jovem.



­ Vamos, Lorena, pode escolher! O almoço fica a seu critério.

­ O senhor é muito gentil, mas eu não quero decepcioná-lo _ Quase encabulada Lorena só conseguiu murmurar algumas palavras.

­ Confio plenamente em seu bom gosto. Vamos!

­ Bem... Escolherei este aqui no menu: tagliatti escuro com lagosta.

­ Ótimo! Eu também aprecio a gastronomia italiana, e este prato combina muito bem com um Riesling bem fresco e seco.

­ Noto que o senhor sabe combinar muito bem um certo prato a um bom vinho.



Desta vez, o advogado aparentava estar mais calmo, muito diferente do dia anterior, longe de preocupações. Ele observava a sua secretária com certa doçura, como se fosse algo inesperado, inexplicável.



­ Lorena..._ ele se interrompe receoso.

­ Lorena, eu tenho um profundo respeito por tié não tenho a intenção de ofendê-la, porem se é realmente minha amiga saberá me perdoar.



Ele pausou para encontrar forças e concluir sua confissão.



­ Quer se casar comigo?



Foi uma pergunta surpreendente. Sua acompanhante quase se engasgou com o vinho. Perplexa, a moça quase não conseguiu expressar-se.



­ Doutor, Dr. Lúcio, não sei como lhe responder... Eu...

­ Está bem! Desculpa! _ A expressão facial do advogado era de frustração e de vergonha.



No entanto Lorena pensava: aquela era a sua chance de sair da vida de solteira a que tanto a incomodava.



­ Não! Para mim é glorificante ouvir isso de alguém tão maravilhoso quanto o senhor. Só que... Bem, eu acho que nós dois, quero dizer que nunca ouve nada entre nós alem do profissionalismo e amizade.

­ Você quer dizer que não nos amamos conjugalmente. Eu compreendo. Dizem que a paixão geralmente vem com a convivência. Por favor, vamos tentar...Eu preciso de você.



A jovem se viu insegura, mas como negar ao pedido de um homem que lhe dera tanta confiança.















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CAPÍTULO II



Dr. Lúcio esperava apreensivo por sua breve resposta, contudo tentou contornar a tensão da qual havia causado.



­ Olha, se quiser não precisa responder agora. Pense direito.



Ela lhe sorriu dizendo:



­ Acho que não é difícil amar alguém como o senhor. Eu aceito o seu pedido.



O advogado deixou transparecer toda a sua alegria. E em seguida chamou o garçom para pagar a conta.



Os dois saíram do restaurante e as formalidades ficaram postas de lado, embora o sentimento de respeito predominasse. Mesmo acanhado por sentir que seus afetos eram ainda de patrão e secretária, Lúcio Solano esforça-se para segurar a mão de Lorena.



Lúcio achou melhor deixar a moça em sua casa. E logo o casal já estava em frente à casa da jovem. Antes que ela fosse embora, o advogado tocou seus lábios nos dela. Lorena se despediu e seguiu em caminhadas frenéticas.



Já em casa, ela não se conteve de tanta alegria.



­ Mãe, a senhora nem imagina, mãe... Eu fui pedida em casamentôôôô....



Seu pai e seu irmão Pietro também estavam ali presentes. Todos que ali estavam entreolharam-se receosos. A futura noiva não percebeu que havia provocado um clima sombrio em sua família o que não foi a sua intenção.



­ Eu nunca lhe vi com um namorado; e como é que você vai se casar? _ contestou seu pai.

­ Filha, será que você...Oh! Meu Deus! Está grávida? _ sua mãe lastimou.

­ Não, gente! Sei que eu trouxe uma noticia surpreendente, até mesmo para mim, porque eu também nunca mantive romance com essa pessoa.

­ Não estou me agradando com essa historia. Por que não trouxe ele para cá para pedir o meu consentimento?

­ Ora, pai, claro que ele virá aqui falar com vocês. E eu acho que já estou bem crescidinha para tomar minhas próprias decisões.

­ É quem é o felizardo, mana?

­ É uma pessoa maravilhosa. Tenho a certeza de que vocês irão gostar dele. Quero fazer uma surpresa ate o dia do pedido oficial.



Passou-se uma semana. Lorena e Lúcio Solano conversavam no mesmo restaurante.



­ Não quero ser exigente com você, querida, no entanto prefiro que o nosso matrimônio seja sem cerimônia religiosa. Em resumo: gostaria que o nosso matrimônio fosse secreto. Apenas seus pais estariam presentes.



A moça ficou emudecida, sem compreender a razão do misterioso casamento.

­ Você tem todo o direito de estranhar, mas eu quero me casar o mais rápido possível.



Desta vez a voz de Lúcio soava como se estivesse impregnada de rancor. Ao sentir que estava tenso, moderou sua voz, quase em sussurros e prosseguiu;



­ Quero preparar uma grande surpresa para a minha família



Lorena o encarou seriamente.



­ Só que o senhor...

­ Por favor, Lorena, já somos íntimos...

­ Desculpa! Eu preciso me acostumar com essa ideia. O que eu quero dizer é que você não sabe se esta surpresa será agradável ou não para a sua família.

­ Querida, não há o que temer. Para ser mais específico, minha família é o meu filho. Isto por enquanto _ disse Lúcio a segurar as mãos da noiva.



­ Agora entendo. Você quer alguém que possa cuidar do seu filho.



­ Não é bem assim. Eu preciso de alguém que possa dirigir a casa onde moro. Alguém de personalidade determinada e compassiva; encontrei isso tudo em você.



­ Lorena sorriu para o advogado e acrescentou



­ Alguém de personalidade, mas que tenha muita calma para lidar com o filhão.



Naquela noite os pais de Lorena ficaram honrados por conhecer o Dr. Lúcio. Pietro os homenageou abrindo uma garrafa de champanhe.



­ Vamos saudar a família Priatra juntamente com a família Solano. E que vivam os noivos _ exclamou o irmão da noiva.



Embora de classes sociais diferentes, Dr. Lúcio se apresentou de maneira simples e sem formalidades. O advogado dirigiu-se a seu Antonio e a dona Cândida para explicar de como seria o seu inusitado casamento. Os pais da moça estranharam, mesmo assim não se opuseram por saberem que ali se tratava de um homem que poderia fazer sua família feliz.



Um pouco mais distante do diálogo dos três, Pietro e Lorena conversavam.



­ Maninha, não quero estragar sua festa, mas estou preocupado com a sua felicidade.



Sua irmã indignada o encarou.



­ Você diz isso porque estou me casando com um homem que tem o dobro da minha idade?! Que preconceito mais ridículo, meu irmão!

­ Sabe, é que me deu uma ligeira impressão que você não o ama.

­ É como você disse: é só impressão.



Lorena lhe sorriu e foi de encontro ao noivo, deixando para trás o seu irmão um tanto confuso.











CAPITULO III







Uma sequência de dias transcorriam, trazendo sempre um novo começo.



Lorena e Lúcio já estava casados . E como combinado: a cerimônia foi secreta.



As águas do rio refletiam a luz prateada da lua. O passeio de gôndola era real, mas que, para Lorena, parecia um sonho. Ao seu redor, muitos casarões antigos que concorriam espaços espaço com as catedrais venezianas, além de muitos casais apaixonados a navegar em outras gôndolas. Agora quem estava ali ao seu lado não era mais o chefe. Ele era, sobretudo, o seu homem, o seu amado, o seu esposo.



­ O que acha disso, Lorena? _ perguntou ele.

­ Uma maravilha! Gostaria que todos estivessem sentindo o que sinto agora: uma imensa felicidade... Veneza é um encanto. Eu vivo um conto de fadas e você é o meu príncipe.



Lúcio parou para admirá-la.



­ Sabe, minha querida, você me fez sentir mais jovem e muito venturoso por ter ao meu lado uma mulher linda, inteligente e de bom caráter.



O gondoleiro remava com tranquilidade pelos canais de Veneza. Turistas registravam em suas câmeras fotográficas cada detalhe daquele panorama poético, fascinante cuja arquitetura de uma antiga civilização encantava o homem moderno.



O casal foi conhecer, em seguida, algumas catedrais. Lorena encantou-se ao conhecer alguns quadros pintados por grandes artistas da época.



­ É uma obra barroca, criada por Barromini em meados do século XVII, que floresceu no ultimo período do Renascimento. – explicou Lúcio.



Lorena suspirou. Horas, depois os dois foram sentar à beira do cais. Na condição de esposo, Lúcio procurava exprimir seu romantismo diante da jovem esposa.



­ Minha doce rainha, agora sou seu cavaleiro servente.



Seu ex-chefe a tomou pela cintura e fixando seus olhos azuis penetrantes nos olhos dela e assim ele a beija com ternura, com desejo. E a moça o retribuía na certeza de que um dia seu sentimento será recíproco.











CAPÍTULO IV





Passaram-se duas semanas e Dr. Lúcio mais Lorena já estavam de volta.

Agora a ex-secretária teria um novo lar e ansiava conhecer p tal garoto que por ventura dera tantas dores de cabeça ao seu pai. Estava insegura, porém determinada a enfrentá-lo. Em frente ao portão do jardim da casa uma empregada alta e magra, a qual aparentava cinquenta anos, veio os receber. De imediato ela se ocupou de conduzir as malas para o interior da residência. O advogado aproveitou para interrogar a assistente doméstica sobre o seu filho.



­ Olha, Dr. Lúcio, aquele menino não é de ouvir conselhos. Saía pela noite e só chegava ao amanhecer.

“ Meu Deus! Um garoto!Como um pai pode permitir que uma criança fique fora de casa por tanto tempo e sozinho?”- chocada, Lorena pensou.



­ Cadê ele? Está em casa? – indagou Lúcio com certa indignação.

­ Está, senhor.



Já no interior do domicílio, Lorena não pôde deixar de observar cada detalhe daquela casa que mais se parecia com uma mansão: os moveis em estilo contemporâneo, envoltos por objetos trazidos de outras culturas, cinco porcelanas chinesas, um tapete persa que cobria a escada de mármore em forma de espiral. Uma parte da parede era tomada por uma enorme janela de vidro envolvida por elegantes cortinas italianas bordadas a fios dourados reluzentes, os estofados revestidos por luxuoso cetim acobreado. Através da vidraça era possível o suntuoso jardim bem cultivado, onde as azaleias, as rosas e as orquídeas finalizavam com um toque nobre de primavera. Pela lateral da mansão, um jardim de inverno e nos fundos, uma grande área de lazer, com piscina e quadra para esportes.



Rute havia se ausentado para chamar o filho de seu patrão. Após meia hora ele aparece.



­ Pai, aonde você esteve durante todo esse tempo? Posso saber o que andou aprontando?



Lorena ficou paralisada ao descobrir que aquele “garoto” já não era tão garoto assim. E jamais presenciou uma cena tão inusitada e constrangedora: o rapaz usava apenas uma cueca branca. A moça, encabulada, baixou seu olhar. Ele descia as escadas em coletivos protestos.



­ Israel, você perdeu a compostura!? Vá se vestir! Quero ter uma conversa contigo! _ Lúcio foi firme e decidido.

­ Eu não sabia que estava com visitas. Diz logo o que tem a me dizer!

­ Não! Primeiramente, vá se vestir!



Israel seguiu para seu quarto, enquanto Lorena sentava no sofá a manifestar a sua indignação.



­ Não, você não me disse que seu filho já era um homem. Lúcio, você omitiu isso de mim, fazendo com que eu imaginasse que Israel fosse ainda uma criança.

­ Perdoe-me, querida! Eu...não sei como lhe explicar. Acho que ficaria envergonhado se você soubesse que meu filho já era bem grandinho para fazer o que faz, mas meu filho tem apenas vinte e um anos e, para mim, ele ainda é um garoto. Perdoe-me mais uma vez...não era a minha intenção envolvê-la neste clima desagradável.

­ Eu acho... – Lorena foi interrompida bruscamente.



O casal se voltou para Israel que descia as escadas. Desta vez mais composto. Vestia uma calça jeans e camiseta manga curta. Era alto e tinha um corpo atleta. Cabelos castanho-escuros cujo comprimento beirava o lóbulo das orelhas. Sobrancelhas longas e escuras. Geneticamente tinha os olhos azuis de seu pai. Era um belo rapaz, mas de comportamento hostil.



Dr. Lúcio preparou-se para as apresentações.



­ Israel, esta é Lorena...a Sra. Solano, minha esposa.



O rapaz encarou o casal e sua expressão era de raiva, de revolta, protestando em seguida:



­ Eu sabia que você não era meu pai, pois um pai não comete tamanha atrocidade a um filho. De uma coisa eu tenho certeza: é de que ela jamais irá substituir a minha mãe..



Em passos apressados, o jovem seguiu para a rua, deixando Lorena pasmada. Seu esposo tentou contornar a situação desculpando-se mais uma vez.



­ Oh! Querida! Preciso contar contigo para que eu encontre forças para lidar com Israel.

­ Não precisa se desculpar! Eu me esforçarei para ser uma ótima amiga de seu filho.



No dia seguinte Lorena fez uma breve visita aos seus pais que comovidos pela saudade, vieram a receber com um forte abraço. Pietro que estava no trabalho chegou logo depois e não se conteve em abraçar sua irmã rodopiando com ela pela sala, deixando-a quase tonta. Havia muitas novidades a serem ditas e a moça só foi embora quando entardeceu.



Ao chegar a casa, seu marido ainda não tinha chegado do escritório e se viu solitária. Procurou por Rute, uma vez que a assistente doméstica, por trabalhar a anos para aquela família, já fazia parte dela, achou conveniente discutir a relação de Lúcio com seu filho.



­ Rute, diga-me a verdade: Israel sempre agiu de forma tão severa com seu pai ou ele carrega algum trauma depois da morte da mãe?

­ Quando pequeno aquele menino era muito mimado pela mãe. O Dr. Lúcio trabalhava demais e quase não estava presente ao lado do filho. Quando Dona Amanda faleceu Israel sofreu muito e ele atribuiu a causa da morte da mãe ao pai. Acho que ele nunca superou o trauma de ter perdido a mãe até hoje.



Um ruído brusco vindo da porta da rua fez chamar a atenção das duas. Era ele, que desde o incidente da noite anterior não havia surgido em casa. Passou pela sala em silencio, cheirando a álcool e lançando seu olhar de desprezo sobre as duas e seguiu até a cozinha.



Passaram-se algumas horas e logo Dr. Lúcio também já estava presente.



­ Estou precisando de uma nova secretária

­ Que não seja por isso. Eu quero voltar a ser a sua secretária. – disse Lorena ao abraçar o seu esposo.

­ Querida, não precisa se preocupar com isso. Você já é a secretária do nosso lar.

­ E aquela questão da Senhora Torre e seus cinco gatinhos, como ficaram?

­ O processo ainda está em andamento, mas estou confiante na vitória.





A semana parecia correr rápida, e naquela manhã de sexta-feira Lorena se dispôs a fazer uma inspeção por todos os cômodos da casa. Apenas o quarto de Israel estava em perfeita desordem. A moça não hesitou. Chamou a sua assistente e lhe propôs uma condição; o seu enteado teria que, a partir daquele dia, arrumar seu próprio quarto, sem a ajuda de ninguém.



­ Eu acho que Israel não vai atender ao seu pedido, dona Lorena.

­ Eu já disse que não quero ver ninguém arrumando este quarto, a não ser aquele garoto!



E o dono daquele quarto estava ausente e quando chegou Lorena seguiu em sua direção.



­ Garoto, preciso falar com você. Sabe que o ser humano não conseguiria viver sem regras. Por isso quero que saiba que as coisas vão mudar nesta casa, a começar de hoje: você irá arrumar seu quarto todos os dias. O almoço e o jantar serão servidos nos seus respectivos horários determinados por mim. E se você se atrasar vai almoçar na cozinha e lavar a louça que sujar.



Israel pôs-se a rir ironicamente.



­ Vejam só quem quer me dar sermões... Nem mesmo minha mãe agia assim comigo. Você pensa que sou ingênuo.



Ele calou-se por alguns instantes para respirar mais fundo e logo em seguida prosseguiu.



­ Garotas não se casam com homens muito mais velhos apenas por amor. Há sempre aquele jogo de perde-ganha – a voz do rapaz soava ríspida e seu olhar lançava reprovação àquele casamento.

­ Veja como fala comigo. Eu sou sua madrasta – disse ela indignada.

­ Madrasta!? Ah! Não me faça rir novamente



Israel subiu as escadas em longas gargalhadas, enquanto Lorena tentava controlar sua raiva.



À noite, Lúcio Solano chegou do trabalho com a aparência visivelmente abatida. Sua esposa foi ao seu encontro, e ele comentou em um tom amargurado.



­ Eu fui derrotado. Pela primeira vez em minha vida, fui derrotado. Aqueles cinco gatinhos venceram a questão.

­ Querido, isso não é motivo para você se amargurar. Nem todos os advogados conseguem colecionar tantas causas ganhas quanto você. Meu campeão! – e ela o beija com carinho.

­ Ah! Querida... Ele a abraçou – só você me faz sentir invulnerável diante dos imprevistos da vida.



Logo após aquele lamentável incidente, o jantar foi servido em um horário determinado por Lorena. E como sempre, Israel não estava presente. Seu pai adiantou-se para chamá-lo pelo celular, no entanto foi detido por sua esposa.



­ Não! Deixa-o! Israel já sabe das regras para o almoço e para o jantar.



Vários dias se passaram e aos poucos o rapaz aprendia o novo regime, imposto por sua madrasta, embora continuasse com o mesmo comportamento agressivo. Certo dia, seu pai o chamou em particular para uma conversa de homem para homem.



­ Filho, está na hora de basta nesta vida promiscua, terminar sua faculdade e arranjar um bom emprego.

­ Minha vida não é promiscua porque eu não curto drogas, você sabe disso. E porque agora acha que eu deva continuar o estudo se você nunca se importou com isso?

­ Israel, você não ficará toda a vida a depender de mim. Terá que alcançar status e depois se casar.

­ Que conversa mais sinistra. Depois que trouxe aquela mulherzinha pra cá deu pra ficar falando asneiras.

­ Olha o respeito! E o que eu lhe digo é um conselho de amigo – Lúcio o alertou.



No dia seguinte o advogado voltou do trabalho com uma grande novidade.



­ Pessoal, trago uma notícia e espero que seja agradável a todos. Eu acabei de me candidatar a deputado estadual.

­ Que maravilha! Lorena exclamou e só desfez de sua alegria quando soube que seu marido teria que fazer várias viagens por razão dos comícios os quais seriam realizados em várias cidades do Rio de Janeiro.























CAPÍTULO V





Sucessivos dias se passaram até o momento em que Lúcio Solano partiu para outra cidade na busca de seu sonho político. Era uma quinta-feira e Lorena estava só. Rute havia saído para assistir à missa e depois passaria a noite na casa de sua irmã. E Israel, como sempre, na rua. O relógio marcava onze horas da noite e, para atenuar a sua solidão, ligou a TV para não perder a novela. De repente percebeu que alguém abria a porta principal. Ela logo imaginou que fosse Lúcio e correu para recebê-lo. Porem, seu anseio foi morrendo quando deparou com Israel a exalar álcool.



­ Por que me olha desse jeito? Com certeza deve estar se perguntando se eu uso narcóticos. Eu apenas bebo! B.E.B.O.!

­ De qualquer forma você está se autodestruindo.



Lorena voltou para assistir à sua novela na sala-de-estar. Mas audácia de Israel foi bem mais longe: desligou a televisão na presença da madrasta contestando com arrogância em seguida.



­ Eu quero assistir aos meus vídeos. Vá assistir às suas novelas em seu quarto!



A madrasta levantou-se do sofá bruscamente, já vermelha de raiva, protestando em seguida.



­ Você não se atreva desligar a TV em minha frente!

­ Eu já disse: vá para o seu quarto e me deixe em paz!



Lorena se retirou para seu aposento. Não chorava, contudo sentia um ódio inconsolável. Seu desejo era de esmurrar a cara de Israel. Permaneceu estendida sobre a cama e por fim adormeceu.



No dia seguinte ela se levantou mais cedo e já estava na cozinha a frigir dois ovos para o café da manhã. Rute não havia chegado por esse motivo Lorena se dispôs a lavar as louças. E para espantar a sua solidão ela cantarolava enquanto ensaboava os pratos. Percebeu que tinha alguém por trás a observá-la. Já sabia que era o seu enteado e já estava se acostumando com o insulto dele. Porém não deu importância a isso e continuou com sua atividade.



­ Eu a quero...



Lorena franziu a testa após duvidar no que acabara de ouvir. Continuou a lavar louças, quando sentiu dois braços envolvendo sua cintura. Voltou-se de frente para ele e este por sua vez tentava lhe beijar.



­ Pare com isso, Israel!



Ela lutava para se livrar de seus braços.



­ É inútil tentar fugir de mim – e completou – sexo frágil e... linda... Eu a quero!



Era uma tentação ouvir aquelas palavras de um jovem irresistivelmente belo, entretanto de um gênio intransigente. Por outro lado, Lorena deveria manter seus princípios de fidelidade e se livrar de Israel a todo custo. Sua assistente doméstica apareceu naquele exato momento e deparou com a cena espantosa. A sua patroa se viu embaraçada diante daquele episodio, enquanto o rapaz se retirava da cozinha sem mais nada a dizer. As duas permaneceram frente a frente. Rute ergueu uma das sobrancelhas fazendo-se ar de dúvida.



­ Ru-Rute... na-não é nada disso que você está pensando.FFFoi ele quem me atacou. Você não deveria ter me deixado aqui sozinha.



A empregada a aconselhou com a sua voz calma e lenta.



­ Só lhe digo isso: cuidado com Israel, para mais tarde não se magoar.

­ Rute, eu acho que você não acreditou em nada do que eu disse.



Depois daquele acontecimento enfadonho, Lorena resolveu caminhar um pouco pelo calçadão. Estava muito tensa e preocupada. Recusava a imaginar na reação de Lúcio se ele viesse a descobrir o tal incidente como provaria a sua inocência. Uma simples atração não poderia ser confundida com traição e imaginava que seu caráter era mais forte.



Pela tarde, Lorena estava no jardim da sua casa a contemplar as flores, como era de costume, quando foi chamada por Rute para que fosse atender ao telefone. Segurou o aparelho e logo ouviu uma voz que vinha do outro lado da linha: ao inesperado, trágico!

Seu coração acelerou. Precisava estar urgente no aeroporto. Pegou um táxi e em alguns minutos ela já estava lá. Ficou confirmado. Um avião bimotor que conduzia pretendentes ao cargo eleitoral do Rio e mais três tripulantes caiu quando tentava pousar no aeroporto. Ninguém sobreviveu e Lúcio Solano estava naquele avião. A sua visão ficou sem foco até se escurecer por completo.



Já era noite quando Lorena recobrou os sentidos. Estava em um quarto de hospital ao lado de sua mãe que lhe segurava a mão direita, tentando confortá-la. E as lágrimas da jovem correram sobre a face.



Foi o momento mais difícil de sua vida. Estava no velório. Sua mãe, dona Cândida, abraçava a sua filha. Havia muitas pessoas no interior do recinto. Dentre elas, parlamentares, jornalistas, clientes do próprio Dr. Lúcio e um irmão do seu marido, um fazendeiro o qual Lorena só o vira uma vez. A jovem direcionou seu olhar sobre os indivíduos ali presentes e avistou Israel que chorava solitário. O sepultamento foi realizado horas depois. E Lorena suspirou a tristeza.



As horas levam os dias, os dias as semanas. Meses após meses. Lorena superava o trauma de forma gradativa. Resolveu ir ao shopping para amenizar a sua melancolia. Comprou algumas roupas da estação. Era primavera e o momento era oportuno para mudar o seu visual. Ao voltar para casa sentou-se no sofá. Seu pensamento estava repleto de preocupações. Recebia a pensão a qual seu marido deixara, mas pretendia voltar a trabalhar e vender sua parte do casarão que, por lei, também lhe pertencia, mas estava consciente de que Israel era o principal herdeiro. E se continuasse naquela mansão provavelmente seria humilhada e massacrada por seu enteado. Porém, acostumou ao conforto do qual a casa lhe proporcionara.



Rute adentrou na sala e lhe ofereceu suco de maracujá.



­ Isso lhe fará bem.

­ Obrigada, Rute.



Lorena, para esquecer de que estava só, decidiu ir á casa de seus pais.



­ Olá, mãe! Como tem passado, pai?



Abraçou seus pais com comoção.



­ Minha menina, - disse sua mãe – você está mais magra, no entanto está mais bonita. Quer tomar café?

­ Obrigada, mãe.



Os três sentaram-se no sofá da sala para beberem o café. Seu Antonio observou a filha e fez um comentário.



­ Lorena, você parece abatida... mas eu entendo porquê.

­ É.. são as contingências da vida. - A jovem silenciou e logo retomou a conversa.

­ Mãe, posso ficar para o jantar e esperar por Pietro?

­ Mas, claro, filha, a casa é sua!



Dona Cândida fez uma breve recordação dos tempos de infância de seus filhos. As duas crianças eram tão unidas que a dona de casa se orgulhava disso. E sempre foi assim, até na vida adulta.



O diálogo foi interrompido pelo baque da porta da sala. Era Pietro que acabava de chegar do trabalho. Em seguida ele abraçou sua irmã. Depois proferiu



­ E então, querida maninha, como se sente?

­ Muito bem, graças a vocês.



O diálogo se estendeu até o final do jantar. Lorena percebeu que já estava tarde e adiantou-se para ir embora. Seus irmão se ofereceu para levá-la no veiculo dela.



­ Mano, não se preocupe. Não quero lhe dar trabalho.

­ E eu tenho coragem de te deixar ir sozinha a esta hora, com tanta violência que há nesta cidade ? Depois eu volto de táxi.



Pelas ruas, Lorena encontrou uma grande oportunidade para desabafar com seu irmão. Falou sobre seu enteado e os conflitos que lhes envolviam.



­ Esse rapaz de que você fala deve ser imaturo. Ele ainda carrega características próprias de um adolescente rebelde.

­ Ele não é mais um adolescente. Israel tem a sua idade. – rebateu Lorena.

­ Seu enteado deve ser mesmo um neurótico.



Restavam alguns minutos para ela estar no portão de sua residência. Despediu-se de Pietro e seguiu pelo jardim adentro. Surpreendeu-se ao descobrir Israel quase imperceptível naquela semi-escuridão na enseada da casa. Ele se fez de barreira contra ela interrogando-a posteriormente.



­ Quem é ele?

­ Olha, Israel, isso não te diz respeito. Agora, dá licença?



Lorena tentou caminhar em direção a entrada, contudo o rapaz estava determinado em segui-la e insistia com a pergunta.



­ Eu acho que tenho todo o direito de preservar a integridade moral de minha família, uma vez que você se juntou a minha família, enganando a meu pai e a todos. Não quero que os outros criem uma imagem de meus familiares uma imagem de vergonha por sua causa!



Lorena deu dois passos para trás em sua autodefesa.



­ Se há alguém sem vergonha é você. Sue pai tinha razão por chamá-lo de garoto. Sua idade mental é infantil. Ah! Vou aproveitar este momento para dizer que eu quero vender a minha parte desta casa e me ver livre de você.

­ Se quiser ir embora, que vá, mas não verá um centavo desta casa que, por sinal, foi da minha mãe. E você está aqui como intrusa.

­ Pois então, se não quiser comprar a parte desta intrusa aqui viverá pessimamente ao lado dela, ou pensa que eu não conheço os meus direitos?



Seu enteado não mais contestou e seguiu direto para seu quarto.



O dia amanheceu ensolarado. Era uma boa ocasião para procurar emprego. Com os benefícios que Lúcio deixara para Lorena se tornaria desnecessário obter emprego, porém a moça sentia a necessidade de ir à luta e de se sentir útil.



Por conseguinte lhe foi posto o cargo de secretária executiva. A partir daquele momento seus dias corriam com tranquilidade e seu salário era o bastante compensador. Por ser uma mulher atraente, surgiram vários pretendentes, inclusive o diretor da própria empresa. Mas o coração de Lorena estava fechado, fragmentado, aturdido. Seu maior alívio era, sempre que podia, ajudar às instituições de caridade.



Domingo Lorena recebeu a visita de seu irmão.

­ Pietro! Mas que surpresa agradável!

­ Vim convidá-la para darmos um passeio e comermos fora..



Israel descia as escadas e quando notou que sua madrasta estava em companhia de um estranho, reteve-se para espioná-los.



­ Eu amo você e me orgulho dessa nossa tão sólida união. – disse Lorena ao seu irmão.



Ela se ausentou por alguns instantes para se arrumar. Pôs um vestido longo, de tons azuis e prata e com decote ousado, o que valorizava seu busto. Deixou os cabelos presos. Estava deslumbrante. Ao descer as escadas foi vista por seu enteado que estava às escondidas e que não se conteve em lançar olhares de cobiça sobre ela.



­ Você está encantadora... – disse Pietro num leve sorriso.

­ Aceito seu losonjeiro. Agora vamos?

Os dois seguiram alegremente.



Visitaram o parque de diversões. O passeio na montanha-russa foi a maior emoção. Em seguida Pietro comprou pipocas só para matar a saudade do seu tempo de criança. E por fim foram almoçar em um pequeno restaurante.



­ Maninha, desculpa por não poder lhe oferecer o melhor restaurante da cidade.

­ Pietro, larga disso! Você sabe que eu sou uma pessoa que admira a simplicidade. Eu amei tudo isso e ao seu lado me sinto melhor ainda.

­ Lorena... ele meditou antes de concluir – por que não tenta um novo casamento?



A jovem baixou o olhar que revelava uma certa perturbação.



­ Quando eu era solteira tinha um enorme desejo de me casar. Agora que fiquei viúva me sinto bem em estar só. Israel é que... Ela se interrompeu.

­ Israel é que...? – Pietro não se conteve na sua expectativa.

­ O meu enteado é que não me deixa viver em paz.

­ Você pensa que me engana! – exclamou seu irmão sorrindo para ela e concluiu:

­ Eu sei exatamente o que está sentindo. Está apaixonada por esse carinha e não quer me dizer.



Lorena se viu embaraçada, mas tentou ser clara.



­ Ora, Pietro, eu odeio Israel. Não entendo por que o fez pensar assim de mim.

­ Não quero lhe machucar mas... você sofreu quando perdeu seu marido, agora noto que está sofrendo por uma outra razão. Talvez seja por amar o homem errado.

­ Você formulou conclusões precipitadas. Eu já lhe disse que desprezo aquele rapaz. E ele também me odeia.

­ Mesmo assim, continuam convivendo na mesma casa. Você está apaixonada por esse tal de Israel e não se dá por conta desse amor.



Lorena parou apreensiva. Seu irmão teria razão ao afirmar que ela estava amando seu próprio enteado? Contudo, teria que fugir de si mesma para não ferir seu orgulho.



Horas ocorridas e já estava ela em sua casa. Ao passar pela sala, surpreendeu-se ao ver Israel beijando uma loura sobre o sofá. Passou pelo casal em passos apressados e vermelha de fúria foi ate a cozinha chamar a empregada.



­ Rute, o que significa aquela cena na sala? Será que você não sabe agir quando eu não estou presente?

­ Dona Lorena, eu não posso me meter na vida desse menino.

­ E pára de chamá-lo de menino! Ele precisa respeitar as pessoas que moram nesta casa.



Lorena tentou relaxar e ficou a aguardar a “tal mocinha” (como ela pensava) ir embora. Depois que a loura se foi, Israel continuou esticado no sofá. Foi o momento para Lorena entrar em ação.

­ Israel! Quero falar com você!



Ele parecia inabalado, com o olhar fixo para o teto.



­ Escuta! Eu fui criada com princípios morais. E acho que você tem por obrigação de respeitar a dignidade dos que aqui moram.



O rapaz começou a rir e lhe respondeu com mesma forma agressiva.



­ Ora, vejam só! Ela agora se faz de moralista, no entanto trás seus homens para dentro de casa.

­ Você está me ofendendo!

­ Sinto muito, mas, você foi a primeira a me ofender. Há pouco tempo meu pai faleceu e você não teve o menor pesar. Sei que ande de romance com um idiota.



Lorena lembrou-se de Pietro e só pode concluir que Israel se referia ao seu próprio irmão. Achou melhor que seu enteado continuasse equivocado e a pensar que seu irmão Pietro fosse o seu mais recente namorado.



­ Olha só! Ficou muda. Eu sabia que você nunca amou meu pai, porque não passa de uma mulher vulgar.



Desta vez Lorena não mais protestou e seu único desejo era que aquele rapaz se retirasse de sua frente. Ele, por sua vez, parecia ler seus pensamentos. Encarou-a severamente, em seguida se dirigiu à rua. A moça pôde respirar aliviada, porém com certa preocupação. Ela estava com ciúmes, ciúmes de Israel com uma mulher que ele próprio trouxera para casa, apenas uma vez. E o pior, como havia dito seu irmão Pietro, estava apaixonada por Israel. Um sentimento que ela se negava admitir.











CAPÍTULO VII





Os dias se passavam rápidos e Lorena precisou trabalhar com mais intensidade para desviar seu pensamento das tribulações indesejáveis, e até chegou a negar várias vezes os convites para um jantar com o diretor da empresa onde trabalhava.



­ Você é mesmo impossível. – dizia ele.

­ Desculpe, é que eu não estou em um bom momento.



Numa tarde de sábado Lorena recebeu um telefonema de seu irmão. Israel estava na sala ao lado a ler uma revista. Aquela foi uma grande oportunidade para a jovem deixar seu enteado irritado.





­ Ola, Pietro. Como tem passado? Como? Está me convidando para um jantar em casa. Que surpresa agradável! Então haverá um pedido de casamento. Está certo. Estarei as dezenove em ponto. Um beijo! Tchau!



Ela desligou o telefone. Depois olhou para Israel sentado na poltrona a ler uma revista uma revista e imaginou que ele fosse reagir contra aquele convite. Entretanto o rapaz se mostrou invulnerável, com sua atenção voltada para o que lia.



Imediatamente. Lorena procurou por Rute e mandou que preparasse o jantar só para Israel, visto que jantaria ela fora•. Em seguida, subiu as escadas e caminhou até a sua suíte. Preferiu tomar um banho em sua banheira de hidromassagem. Apanhou o roupão e seguiu para o quarto. Ela se maquiava quando percebeu um vulto através do espelho. Olhou para trás e ali estava em sua frente: Israel! Ele parecia furioso e a encarava seriamente.



­ Você não vai a jantar algum! – disse ele. – É o meu dever preservar o nome da minha família!

­ O que você pensa que eu sou para entrar em meu quarto desse jeito? Quer me dar licença e se retirar? Eu preciso me arrumar para sair.

­ Lorena, você não vai nem que seja preciso trancá-la neste quarto.



Lorena parou admirada. Era a primeira vez em que Israel a chamou por seu nome.



­ Ah! É? – disse a moça – pois então, sabe o que vai acontecer? Eu vou gritar e bater na porta até que alguém ouça e chame a polícia.

­ Você se engana. Porque vai ficar aqui bem quietinha, e como estarei ao seu lado, não permitirei que faça nenhuma gracinha.

­ Não me ameace! Eu vou passar por aquela porta e você não vai me impedir!



A face da jovem ficou rubra de raiva, mas Israel, por sua atitude, foi implacável e ao mesmo tempo infantil. Ele a segurou com firmeza e ela, por sua vez, esmurrava os ombros do rapaz.



­ Seu cretino, me larga! – ela implorava em soluços.



O confronto parecia ser violento, até o instante em Lorena caiu sobre a cama e ele sobre ela. Naquele momento a quietude do silencio envolveu todo o quarto. Israel a encarava com ternura. E por um impulso suas mãos começaram a acariciar o rosto suado da moça. Lorena só se deu por de que Israel vestia apenas calça jeans quando ela tocou nos ombros dele. Ela podia até sentir as batidas do coração daquele homem o qual acabara de arrebatar o coração dela. Sentiu também o seu hálito quente tocar em seu pescoço. A jovem se viu entorpecida e cedeu a relutância de Israel.



Ficaram assim por alguns minutos. Não era coação, não era petulância. Lorena sabia que era um desejo recíproco. O olhar do rapaz era de afeto e solícito. Ela compreendeu e segurou a nuca de Israel para beijá-lo. Era uma paixão que ardia o peito de Lorena. E o rapaz era ávido e seus beijos tocavam pescoço e ombros da jovem. No entanto o que ela mais desejava era ouvir a voz de Israel a dizer que a amava.



­ Israel... – ela sussurrava.

­ Sim!

­ Você chamou pelo meu nome pela primeira vez.

­ Eu chamei? Bem... Escapou.

­ Agora me diz a verdade!

­ Que verdade?



Lorena sentiu um repentino receio e logo se levantou da cama. O rapaz não entendeu a reação da moça e sentou-se no mesmo leito.



Ela tentou se explicar.



­ Eu- eu não quero que pense que sou uma mulher vulgar. Casei com seu pai e no momento estou com você.

­ Mas eu quero você. Eu acho que me...



Ele se interrompeu e Lorena, ansiosa, esperava que ele completasse a frase como: “me apaixonei por você”, no entanto Israel calou-se o que deixou a jovem com uma ligeira frustração.



O rapaz agarrou-a com ternura e parecia perceber o sentimento de Lorena por ele.



­ Você... Você não quer admitir me amar. Mas entendo. Fui muito duro contigo.



Se ele se negava a confessar o seu próprio amor, ela, mesmo para não contrariar o seu próprio orgulho, também não confessaria. Usou um subterfúgio falando sobre Lúcio.



­ Seu pai sempre me dizia que o amor dele por você era tão grande que ele se sentia incapaz de feri-lo em qualquer situação aparente.



Israel caminhou pelo quarto tentando esconder suas lágrimas.



­ Eu... amava o meu pai. De forma rudimentar, mas o amava.



Lorena correu para abraçá-lo e dar-lhe conforto.



­ Lorena... Me perdoa!



E ela lhe respondeu com beijos e carícias. Permaneceram assim por alguns minutos até o momento em que Israel resolveu abdicar à sua tentativa de ergástulo.



­ Não vou mais impedir que saia com seu namorado.



Lorena não se conteve em rir e confessou em seguida:



­ Eu não tenho namorado, e se você se refere ao Pietro, ele não é meu namorado: ele é meu irmão.



O sorriso que se fez na face de Israel denotava alívio.



­ Por que não me disse antes?

­ Você ficou com ciúmes de mim com meu próprio irmão? Vamos, confessa! – ela foi objetiva e centralizada.



E mais uma vez, o rapaz calou-se e sem pronunciar sequer um só monossílabo, retirou-se do quarto. Agora era Lorena que não o entendia. Lembrou-se, então, do jantar na casa de seus pais. Consultou o seu relógio e notou que estava atrasada, e por outro lado, se sentia indisposta. Achou melhor telefonar e avisar a Pietro que não estava se sentindo bem.



­ O que você está sentindo, maninha? – do outro lado da linha, a voz de seu irmão soava assustada.

­ Não, não se assuste! É apenas um mal-estar. Amanhã eu passo por aí. Feliz noivado. Tchau!



Lorena cumpriu o que havia prometido no dia seguinte. Foi a casa de seus pais parabenizar seu irmão pelo noivado.



­ Mãe, vim me desculpar por não estar aqui presente para o jantar dos noivos.

­ Você não tem o que se desculpar. Agora vamos esperar por Pietro que já deve chegar do trabalho. – disse Dona Cândida.



Lorena tomava café quando seu irmão chegou muito feliz e acompanhado pela noiva. Pietro adiantou-se para as apresentações:



­ Maninha, esta é Ana Carla. Carla, esta é Lorena, como já sabemos, a minha irmã.



As duas se cumprimentaram e Lorena aproveitou para fazer um elogio.



­ Meu irmão teve muita sorte, pois encontrou uma jovem muito bonita.

­ Bondade sua. Você que é muito bonito – proferiu a noiva de modo amistoso.



Apesar do esforço para mostrar-se feliz, Lorena sentia em seu âmago uma profunda desolação e, sobretudo, o desejo de voltar para casa.



­ Filha, pelo menos, fica pra o almoço! – sua mãe insistia.

­ Fica pra outra vez, mãe. Obrigada.



Pietro ao notar a preocupação de sua irmã, decidiu acompanhá-la até a saída.



­ O que está acontecendo contigo, mana?

­ Não aconteceu nada. – a voz de Lorena cambaleava.

­ O garotão de lá continua a dar trabalho.

­ Para ser sincera, tivemos um curto romance, só que ele sumiu, como de costume. Ligo para o celular dele, mas ele não atende.

­ Ele é muito misterioso – completou Pietro.



Ela despediu-se de seu irmão e seguiu em seu automóvel. Já em sua residência, jovem experimentou o vazio da solidão muda, decreta e dolorosa.



Era domingo e, como sempre, Rute havia saído para assistir à missa o que só fazia aumentar a sua angústia. Lembrou-se, então, de seus amigos. O quanto havia se afastado deles. Lamentava sua solidão, contudo se acatava ao desatino de estar só.



Deitou-se no sofá inerte em seus pensamentos. Dúvidas e inseguranças circulavam por sua mente.



­ Israel... – pensou alto – o que será que anda a fazer?



Desejou beber algo. Escolheu um espumante gelado e logo após se dirigiu a vidraça da janela para observar o jardim. Fazia um bom tempo que não prestava atenção às flores tão delicadas e esquecidas. A roseira que crescia ao lado do muro precisava ser podada e os crisântemos, debilitados e sem viço. As palmeiras encontravam-se ressecadas. Só o tufo de azaléias imperava em sua exuberância por entre as flores esmaecidas.



­ Meu Deus! Como sou descuidada! Preciso contratar um jardineiro urgente!



Embora irrevogavelmente culpada pelo descuido do seu pequeno horto, sentiu-se compensada ao admirar o céu azul e o sol radiante, sem o incômodo de nuvens. Era tarde de primavera e Lorena decidiu esquecer as desilusões e dar as mãos à felicidade. Mas que para isso, precisava romper seu sentimento de “ mulher apaixonada” por Israel. Foi em vão! Seu subconsciente lhe atormentava, com a fixação de que só Israel era o seu amado inconsequente. Foi descansar em seu quarto e adormeceu com os mesmos vestes.



Segunda-feira seguinte, ela acordou mal-humorada e com uma sensação esquisita.

Não foi fácil se concentrar em sua atividade no trabalho



­ Lorena!? O diretor solicitava.

­ Oh! Queria me desculpar...

­ Está se sentindo bem?

­ Não é nada, obrigada.



Dia após dia, durante semanas, Lorena vivia uma grande dúvida que a afligia. Israel foi embora, sem dizer para aonde.



“O que teria acontecido com ele?” - pensou.



Imaginou chamar a polícia, porém deteve-se ao pegar no telefone. Seria uma posição desnecessária, uma vez que já era costume do rapaz passar vários dias fora de casa e sem noticiar a ninguém.



Era sábado e o dia estava luminoso, convidativo. A jovem abraçou aquela oportunidade e foi à praia, enterrar sua frustração na areia.



Estendeu uma toalha sobre as pedrinhas da orla e sentou-se ali. Contemplou o mar como se fosse pela primeira vez. Sentiu o cheiro da maresia e banhou os seus pés nas ondas e iam e vinham em ritmos majestosos trazendo consigo espumas esbranquiçadas que em seguida se desmanchavam ao tocar nas areias. Um destemido surfista estava mais adiante sobre as águas ondulantes da maré, a desafiar as ondas. Era impressionante: o equilíbrio e a força; o homem e as águas. Havia dezenas de banhistas compartilhando um pedaço de areia. Pouco a pouco Lorena fez crer que não havia uma razão aparente para se violentar por um monógamo amor.



­ Fechei a porta da felicidade, mas agora é momento de abrir.



Voltou para casa. Sua assistente doméstica já a aguardava para o almoço. Banhou-se nas águas frias do chuveiro. Vestiu uma blusa regata e um short jeans. Em seguida, sentou-se à mesa da cozinha. Seu apetite foi grande, e até instigou um diálogo com Rute.



­ Está uma delícia este almoço!

­ Obrigada. – agradeceu Rute ao enxugar suas mãos no avental.

­ Ouça aqui, Rute: amanhã é domingo e certamente você irá à missa. Gostaria que rezasse por mim, aliás, pela humanidade.

­ Eu sempre oro por todos, sobretudo pela senhora e pelo menino Israel.

­ Onde quer que ele esteja, espero que esteja bem.



Ao cair da noite seu irmão Pietro acompanhado por sua noiva Ana Carla apareceram

na casa de Lorena.



­ Que surpresa maravilhosa! - proferiu sua irmã ostentando um largo sorriso.

­ Querida mana, prepare-se para uma outra surpresa. Viemos lhe convidar para ser a madrinha do nosso casamento, isto é, se você concordar.

­ E por que eu haveria de recusar?para mim é uma honra. Principalmente por saber que meu irmão está feliz.



Os três acomodaram-se no sofá . Lorena serviu um drinque.



­ Você tem uma bela casa. Espero que o meu noivo tenha uma postura requintada e que possa construir uma casa como esta. – disse Ana Carla, sem receio.



Meio encabulado, Pietro contradisse-lhe:



­ Bem que eu gostaria, só que o meu salário não oferece tanto...

­ Eu quero ajudar a vocês a construir uma boa casa, ampla e bonita. Pode ser aqui mesmo na Zona Sul? – Lorena entusiasmada, se dispôs a ajudar seu irmão.



Antes de opinar, o rapaz silenciou por alguns segundos para refletir , enquanto os demais aguardavam por seu pronunciamento.



­ Bem, maninha, admiro muito a sua generosidade. O que você está a nos oferecer é um ato dispendioso. Não quero que pense que é orgulho da minha parte. Não me leve a mal, mas considero isto desnecessário. Perdoa-me!

­ Por favor...me deixe ajudar! Vou me sentir muito feliz podendo ajudá-los. E faço votos que escolham morarem próximos à minha residência. E... Vocês ainda não me disseram a data do casamento.

­ Ainda não marcamos – respondeu Pietro- no entanto pensamos em nos casar no próximo inverno.

­ Inverno? Desculpe a minha indiscrição, mas se fosse eu esperaria pela primavera. O inverno... o inverno nos transmite um clima nostálgico. Nos dá o desejo de se reprimir, e na primavera o nosso desejo se transforma no desabrochar das flores, no anseio de ir além, sem ficar com aborrecimentos. A primavera revela todo o encantamento do romantismo. No entanto, depende da personalidade de cada um de nós.

­ Mana, você foi tão poética e tão espiritualista que quase viajei nas flores. Bem, eu concordo plenamente, só que eu e a Carla opinamos pelo inverno por coincidir com os meses em que teremos maiores comissões Nós dois trabalhamos na mesma empresa e nosso salário aumentará justamente nesse período de frio.- Pietro tentou explicar.



O dialogo se estendeu pela noite adentro, até que Ana Carla solicitou ao seu noivo para irem embora. O casal, em vista disso, despediram-se de Lorena e, antes que eles saíssem, a dona da casa lhe propôs um convite.



­ Estou pensando em preparar um jantar em homenagem aos noivos. Me aguardem!





































CAPÍTULO VIII





O verão havia chegado e, com ele, trazia os primeiros sinais característicos daquela estação. E por consequência do aquecimento global, o calor era bem maior que os verões anteriores.

Lorena estava em seu quarto a navegar pela internet, seu mundo de informações, quando ouviu o toque do seu celular. Surpreendeu-se ao identificar o chamado: era Israel.



­ Israel?! – sua voz soava trêmula.



_ “Lorena, me desculpa! Fugi de você para fugir de mim mesmo. Mesmo assim, preciso de você.”



O coração da jovem sorriu de felicidade. Entretanto conteve-se para não ferir seu próprio orgulho. Tentou ser firme.



­ Onde você está, Israel?

­ “Não tão distante. Em breve nos veremos.”



Ele desligou o celular. E Lorena procurava uma razão para absorver aquela atitude inexplicável e miserável.





­ Israel quer brincar com meus sentimentos. E eu estou me comportando como uma adolescente idiota.



Quantos domingos ela tivera que passar solitária, talvez não fosse o único, e aquele dia amanhecera chuvoso. O vento soprava furioso. Sua velocidade era suficiente para derrubar uma arvore. Era uma tempestade torrencial, típica de verão.



Lorena cancelou toda sua programação daquele dia. Parecia predestinada à solidão.

Seu olhar melancólico procurou a janela da sala e observou através da vidraça a chuva que chorava por ela. O presente momento a conduzia à remotas lembranças, não tão remotas; o dia em que chovia , e ela estava no escritório esperando impacientemente a chuva passar, quando Dr. Lúcio, cordialmente, ofereceu-lhe carona. Lembrou-se também do seu sentimento por ele. Lúcio estava convicto de que as pessoas podiam se amar com a convivência. Casaram-se, mas nunca confessara a ninguém que seu amor por Lúcio era da mais pura amizade. O que mais a impressionava era que o advogado sentia-se bem assim, e se contentava com o fato de tê-la por perto.



De retorno ao presente, a jovem agora sofria com aquele vazio ecoando em seu âmago. Abominou “os domingos” e aquela insistente chuva que caia. Decidiu, então, para acalmar seus pensamentos inquietos, assistir a um vídeo musical. Optou por “Lest Kiss” do Pearl Jam em homenagem a Lúcio, o que só fez aumentar sua angústia. Desligou o som e seguiu para o quarto. Repousar ficou difícil para ela e encontrou uma solução em seus tranquilizantes. E por fim, ela adormeceu.



Quando acordou já era noite. A chuva persistia com a mesma proporção. Olhou ao seu redor e todo o recinto estava tomado por uma insólita escuridão. Levantou-se da cama para acender a luz, mas a iluminação não aparecia. Percebeu através da vidraça que o ambiente lá fora também estava escuro.



­ Provavelmente a chuva foi a causa dessa falta de energia elétrica – pensou

­ O celular! Cadê meu celular? Mas, como encontrá-lo nesta escuridão?



Lorena começou a tatear os móveis do quarto, embora levando alguns tropeços, seu esforço foi em vão. Dirigiu-se até o oratório da residência para apanhar uma vela. Desta vez foi cautelosa para não cambalear de novo, quando, de repente, ouviu um movimento brusco vindo da sala de visitas. A moça se viu pasma. Seu coração acelerou e seu corpo tremia. Por um instante percebeu um vulto na penumbra do interior da casa. Lorena nada mais pôde fazer, senão ficar imóvel, escondida, ao lado do oratório. A certa distância, ela percebeu, pela silhueta, que se tratava de um homem, mas que certamente não enxergaria a face do tal estranho.

O tenebroso homem subiu as escadas, surgindo, assim, uma grande oportunidade para Lorena pegar o telefone e chamar a polícia. Caminhou com extremo cuidado até a banqueta onde ficava o aparelho.



­ Alô! Alô! Meu Deus... o telefone não funciona. Deve ter ocorrido algum problema na linha.



Em vista do perigo que poderia estar passando, apanhou um objeto qualquer para sua autodefesa. No momento em que tentava se esconder, sentiu, pelas suas costas, uma mão tocar em seu ombro esquerdo. A moça não se controlou: deu um grito abafando seus lábios com as mãos, e quase caiu das escadas, mas conseguiu chegar até seu quarto. Suas mãos tremulavam ao trancar a porta, e o pavor tomara conta de si. Escutou o som da maçaneta quando gira. A porta estava trancada, no entanto, de qualquer forma, o bandido arrombaria a porta e ela estaria perdida. O que ele pretendia?



Estava vivendo um terrível pesadelo, até o momento em que ouviu uma voz a qual lhe parecia familiar.



­ Lorena! Abrar! Sou eu!



Lorena enxugou suas lágrimas e abriu a porta. O estado da jovem ainda era de pânico. E ali em sua frente estava Israel a segurar um celular para que iluminasse apenas os rostos de ambos. Os dois se olharam em silencio por alguns segundos. E logo o rapaz recorreu para abraçá-la. Lorena sentiu que os vestes dele estavam molhados pela chuva. O visor do celular apagou, e de súbito, Lorena afastou-se dele. Sentia raiva, uma grande raiva por tudo que ele a fez passar.



Seu irresponsável! Seu louco! Seu imaturo! Se eu sofresse do coração já estaria morta.



Ele baixou a cabeça e lamentou:



­ Desculpa. Abri a porta com a chave que carrego, e no interior da casa estava tudo escuro e muito silencioso. Imaginei que não houvesse ninguém. Escutei um ruído próximo ao oratório, e quando aproximei de você lhe causei esse horror.



Ela hesitou momentaneamente exclamando em seguida:



­ Está bem! Eu já o perdoei por esta falta, mas pela consideração que você não teve, serei bem enfática: não o perdoou! Você simplesmente sumiu.

­ Eu entendo perfeitamente. E se eu estivesse em seu lugar faria bem pior. Você sabe que sou de um gênio intransigente e por isso resolvi me afastar daqui, da sua vida. E por falar em vida, eu sempre pus a minha em dúvidas. A verdade é que eu não sou nenhum drogado e nem tão pouco trafico narcóticos. Os amigos que tenho são dos bares e as garotas com quem estive são apenas garotas. Fui um cara rebelde, sim, porém você me fez ver a vida de outro ângulo. Agora, está curiosa para saber por onde eu andava. Claro!Nestes últimos meses estava na fazenda do meu tio trabalhando como administrador das terras. Lorena... eu fugi apenas para te esquecer. Me incomodava bastante a ideia de me ver amando a mulher que um dia se casara com meu pai. Contudo, aqui estou, atropelando aquele antigo conceito e, para lhe dizer que não suportei ficar sem você. Lorena, eu te amo com toda a minha rusticidade que lhe possa aparentar, mas te amo.



Naquele momento o recinto no qual os dois estavam iluminou-se de maneira que parecia trazer uma esperança remota e sofrida, transformada em realidade e prazer. Lorena agora pôde contemplar o lindo rosto do rapaz. Seus cabelos ainda estavam úmidos. Seu olhar solícito desejava amor, desejava resgatar aquele amor perdido.



Lorena ainda estava confusa. Não conseguia acreditar no que acabara de ouvir. “Não, rapazes como ele não se apaixonam por mulheres como ela”. Ela concluiu sua própria referencia. E deu as costas para ele.



­ Eu não consigo acreditar em você.



O rapaz caminhou em sua direção e ao tentar segurá-la, Lorena se opôs.



­ Não insista! Não brinque com os sentimentos alheios como se fossem bola de pingue-pongue.

­ Então, me diz o que posso fazer para que acredite em mim.



Um silêncio febril envolveu aquele aposento. A moça se achou impotente, presa por dois braços ávidos, intrépidos e envolventes...



­ Por favor, me ama! Mas me ama com ternura.



Foi lindo demais ouvir aquelas doces palavras, e saiam dos lábios de Israel. Ainda chovia lá fora, mas com menos intensidade. E assim lábios foram se aproximando um do outro até que se tocaram. Era um beijo candente e tão desejado. De madrasta a amante. Lorena dizia para si: “Acho que Lúcio, de certa forma, sacrificou sua vida por uma causa: a minha e a do seu filho.”



Lorena sentiu seu vestido cair do seu corpo. Em seguida ele a carregou e lhe estendeu sobre a cama. Sofreguidão rústica por beijar, e nas carícias que serpentearam as curvas dos seus corpos.



­ Agora me disse... – ele sussurrava - Quero ter o prazer inebriante de ouvir sua voz a me dizer que me ama.



Israel conseguiu rançar um sorriso dos lábios dela. Lorena segurou a nuca do rapaz, beijando-o em seguida.



­ Oh! Amor, você não faz ideia o quanto te amo. – ela lhe disse com um leve sorriso.



E o casal se beijou novamente.



Lá fora a chuva agora caia com menos força.



Quando amanheceu a chuva já havia cessado, embora algumas nuvens carregadas ainda persistiam. Era segunda-feira e Lorena precisava estar às oito no escritório. Ergueu-se da cama às pressas, pois se atrasara, no entanto Israel a deteve segurando seu braço.



­ Não vá trabalhar hoje! Eu quero te contemplar, quero te ver na luz do dia, te desejar...tocar em teu corpo, sentir o teu calor...



Ela lhe sorriu dizendo:



­ Ora, e se eu for demitida?

­ Não tem importância. Amanhã você se casa comigo.

­ Tolinho... E se amanhã você der um adeus?

­ Este adeus será com suicídio por você hoje não ter me amado.



Era um momento de frenética felicidade. Beijos e carícias eram constantes entre os dois apaixonados.



­ Posso lhe ser sincero? Quando meu pai apresentou você a mim, eu senti certa inveja dele. Você ao lado do meu pai, tão linda e eu sem ninguém.

­ Seu pai e eu formávamos um belo casal.

­ Nós dois é que somos um casal interessante. – ressaltou Israel.

­ Pois saiba que seu pai foi um homem exemplar.



Em seguida, foram tomar o café da manhã.









CAPÍTULO IX



Os dois sempre que podiam saiam para se divertirem. Numa certa tarde Lorena fez uma visitação à casa de seus pais para apresentar Israel como seu futuro esposo. Seu Antonio ficou muito surpreso com a novidade: sua filha estava prestes a se casar, e com o filho de seu falecido marido.



­ O mais importante é que você seja muito feliz. – disse o pai.

­ Ô filha, como conciliar esposa e madrasta ao mesmo tempo?

­ Mãe, agora é apenas esposa. Falando assim vai parecer que eu sempre tive um relacionamento extraconjugal com o meu ex-enteado.

­ Desculpa, filha. Não falei por mal.



Ao cair da noite, Lorena e Israel já estavam em casa.



­ Amor, amanhã eu volto para a fazenda do meu tio. Ele precisa de mim lá nas terras.

­ Você não está pensando em me abandonar novamente...

­ Abandonar você é como me entregar a um fado cruel. Nunca se esqueça de que te amo.



Lorena lhe sorriu seco pela decisão tomada por Israel, acatou, no entanto, de forma compassiva.



Na manhã do dia seguinte, o rapaz tomou café e apressou-se para seguir seu destino à fazenda.



­ Vamos combinar um dia para que você conheça o meu tio.

­ Eu já tive a oportunidade de conhecê-lo, embora fosse em circunstâncias bem tristes: no velório do Lúcio.

­ É verdade, mas eu quero apresentá-la como minha mulher.



Os dois se beijaram com ternura, e Israel partiu , partiu mais uma vez, deixando a jovem na incerteza. Rute estava na sala e Lorena não se conteve em interrogá-la.



­ Me diz a verdade, Rute, você acha que ele gosta de mim?

­ Ele está criando juízo. Eu acho que a paixão entre vocês fez um enorme bem para ele. Nem a mãe ele tratava assim, com tanto afeto.

­ Foi bom ouvir isso de você, Rute. Eu estava tão insegura quando vi Israel partir mais uma vez..



Agora, em plena harmonia com a vida, sobretudo, harmonia consigo mesma, a jovem sonhava. Era como retornar à sua adolescência. A noite estava presente e seu desejo era de ler a um bom livro, um livro que lhe trouxesse novas ideias, um desses que lhe fizesse mergulhar no oceano do novo. Foi até a estante e achou magnífica a escolha que fez: retirou dali um livro de crônicas de Vinícius de Moraes, “Para uma menina, com amor”. Sublime leitura, a qual descrevia com minúcia profundos sentimentos humanitários, em delicadas palavras espiritualizadas pelo autor. Leu e releu. Olhou em volta de seu quarto e descobriu que ele era o seu pequeno mundo e se viu imersa de contentamento de novas descobertas.



Estava a sonhar com as crônicas de Vinicius, quando ouviu o toque do seu celular.



­ Oi, Lorena. Liguei para dizer que amanhã eu volto para casa e também para dizer que te amo.

­ Meu lindinho, sinto sua falta. Vou contar as horas e os minutos até você chegar. Beijos... também te amo.



Israel cumpriu, no dia seguinte, o que havia prometido. Agora estava ao lado do seu amor.



­ Israel, vamos ao teatro hoje à noite?

­ Vamos ao teatro e depois à balada, mas antes disso, quero matar minha saudade: vem para os meus braços.



E de jeito ávido, ósculos e caricias envolviam o jovem casal.



Anoiteceu. Lorena se arrumava para assistir à peça teatral, enquanto Israel fazia a barba. Minutos após minutos, os dois estavam prontos.



­ Você está uma princesa. – disse ele com doçura, e ela lhe sorri.

­ Vamos ver a peça de “miss Saigon”, vamos conhecer a história da vietnamita que tem um caso com um militar norte-americano.



Logo depois, Israel conduzia o transporte, enquanto Lorena conversava. Percorreram pela cidade a dentro. O curso dos veículos estava razoável. A quietude da noite pelas estradas abrandava o estresse do dia a dia. Um semáforo adiante indicou que os carros a parassem. O sinal de trânsito estava localizado em uma via de pouco acesso, próximo a um viaduto. Israel acuou seu automóvel e já se sentia impaciente por aguardar pelo sinal verde. Lorena avisou ao seu lado direito dois indivíduos trajando jaquetas escuras e capacetes da mesma cor, seguiam numa Honda. De forma brusca, os dois estranhos pararam a motocicleta e se aproximaram do carro do casal. De inicio, um dos homens bateu no vidro da janela do carro no qual se encontravam Lorena e Israel, dando sinal para que os ocupantes saíssem de dentro do veiculo. O casal entreolhou-se prevendo o que estava para acontecer. Israel, com cautela, abriu a porta do veículo e saiu em silêncio. Lorena, por sua vez, obedecia ao comando dos bandidos, os quais ameaçavam com extrema rispidez. Eram assaltantes, e o que se imaginava era que eles pretendiam roubar aquele automóvel. O momento era tenso. Lorena suava frio e permanecia calada. Israel apreensivo observava os dois salteadores devidamente armados, os quais ameaçavam a todo o momento a atirar se o casal não atendesse às suas exigências. Israel aproveitou um momento de distração de um dos assaltantes e o segurou por trás, tentando tomar-lhe a arma, o que não foi tarefa fácil. O bandido era bem mais forte que a vitima. Por outro lado, Lorena se desesperou. Até que se ouviu um estampido. Israel havia esquecido do segundo criminoso que impiedosamente acertara um tiro no peito do jovem que logo cambaleou e caiu sobre o asfalto. De forma contundente e tenebrosa o sangue lhe escapou por entre a camisa. Lorena recorreu aos prantos para ajudar o seu amado.



­ Por favor, alguém me ajude! – gritava ela, enquanto os bandidos partiam com o seu veículo.



Israel foi levado à emergência. Minutos dentro do hospital, Lorena caminhava sem consolo e muito nervosa pelo corredor em busca de notícias sobre o estado de saúde de Israel. O transitar de enfermeiras, seus auxiliares e pacientes eram constantes naquele longo corredor de hospital, até que mais adiante, precisamente junto à unidade de tratamento intensivo, a moça avistou um homem de jaleco branco que vinha ao seu encontro.



­ Sra. Lorena Solano? – interrogou o médico.

­ Sim, doutor! Como ele está?

­ O estado do rapaz é muito delicado. Ele perdeu muito sangue e ...além disso há uma bala alojada entre o estômago e pâncreas . Neste momento ele se prepara para a remoção do projétil na sala de cirurgia.



Lorena levantou suas mãos até o maxilar, denotando uma expressiva preocupação.



­ Meu Deus... Vou comunicar esta ocorrência à minha família e aos parentes dele.



Pelo celular, ela falou para cada um dos familiares o trágico acontecimento. Era evidente que para a jovem, por mais relutância que fosse seu sofrimento, não aceitaria mais uma perda e ainda porque se tratava de alguém da qual amava com paixão.



Após uma hora, algumas pessoas começaram a aparecer. O tio fazendeiro e um primo de Israel, também vieram: dona Cândida e Pietro para prestarem solidariedade.



Oh!Deus... Filha, como isso foi acontecer?

Assalto, mãe. Israel reagiu e o bandido atirou.



Cinco horas depois a cirurgia chegava ao final. Israel permanecia desacordado. E o desejo de todos ali presente aconteceu: Israel não corria mais risco de morte. E Lorena pôde voltar para casa aliviada. Precisou tomar um banho de ducha para relaxar. Relaxar? Parecia impossível.



­ Eu perdi o Lúcio de forma tão trágica. Agora não posso perder Israel. Não!



Rute estava ali por perto e orava para que a recuperação do rapaz fosse rápida. Lorena, desta vez, se juntou à sua assistente do lar, seguindo aquela atitude e rezou agradecendo pela vida, não só a de Israel, mas a vida de cada um, de cada ser que carrega por si o seu próprio destino.



No outro dia, ela foi à delegacia para depor. Em seguida, estava no hospital, ao lado do leito de seu amor. “Pobre amor”, que dormia sob efeitos de sedativos. Lorena segurou as mãos dele às quais mostravam frias e pálidas.



­ Meu amor, você vai ficar bem!- ela afirmava com acuidade.

Ao se inclinar para afagar os cabelos do rapaz, Lorena percebeu que as mãos dele se moviam e notou também que os olhos de Israel aos poucos descerravam. A jovem tentou segurar sua emoção para preservar a saúde do rapaz. Ele esforçou-se para pronunciar algo e a sua amada lhe sorriu.



A partir daí uma sequência de dias se somaram, com idas e vindas da jovem Lorena ao hospital. Algumas das vezes, seu irmão Pietro a acompanhava e em outras ocasiões, era o tio fazendeiro que se fazia presença. Ele era um senhor que muito lembrava o seu marido Lúcio, tanto pela aparência, como pela polidez, mas pouco falava. Naquele dia o tio fez uma breve visita a seu sobrinho e se despediu do casal.



Um médico adentrou no quarto o qual se encontrava Israel e informou a Lorena que no dia seguinte o rapaz teria alta. Ela repetiu a notícia ao paciente.



­ Graças a Deus! Eu não suportava mais a ideia de ter que ficar naquela casa sem você. – ela proferiu, beijando-o na testa.



Nasceu mais uma nova manhã; o dia em que Israel ficaria livre daquele leito de hospital. De volta para casa, Lorena carregava alguns pertences os quais o jovem usou durante os dias em que esteve na Unidade Hospitalar.



Caminharam até o estacionamento da casa de saúde.



­ É o nosso carro?!- o rapaz questionou irresoluto.

­ A Polícia do Rio conseguiu resgatá-lo e prender os dois bandidos - Lorena informou e o advertiu:

­ Da próxima vez, não reaja, tá bom?

­ Não haverá próxima vez, porque tenho um projeto de vida bastante interessante para nós dois, entretanto só relato quando chegarmos a casa.



Lorena foi quem conduziu o veículo, embora ainda carregasse o sentimento de medo, de trauma. O estampido da arma ainda ecoava dentro da cabeça da jovem, após àquela noite de pavor. No entanto, o dia estava irradiante e tranquilo.



Chegando a seu lar.



­ Eu acho que passei mais de uma semana em jejum de amor. – Israel articulou lançando seu olhar de desejo para sua amada e ansiava para tê-la em seus braços.

­ Calma, querido! Primeiro me diz qual o projeto que você tem em mente?

­ Olha, não me sinto mais motivado em viver nesta metrópole por esta razão gostaria que fôssemos morar lá na fazenda do meu tio.

­ Realmente, não encontramos mais segurança nesta conturbada vida de cidade grande. Mas, o que dirá seu tio se nós chegássemos assim de muda?

­ Ele já havia me convidado, faz um bom tempo. Meu tio possui várias propriedades e doou para mim um de seus casarões lá na roça.

­ Isso é muito bom! Lorena sorriu para Israel.

­ Agora vamos para o nosso quarto e comemorar nossa felicidade, celebrar nosso novo começo. O rapaz estava solícito.

­ Espera! Você deve estar com bastante fome. Vou pedir a Rute para que prepare um mingau para você.

­ Mingau? Não! Já tomei demais lá no hospital. Eu quero macarronada e... você! Ele caminhou de maneira ávida para carregar sua amada.

­ Israel, não se esforce desta forma! Lembre-se de que está operado – advertiu a jovem.



Ele a pôs no chão.



­ Está bem. Agora vem me beijar! Não vê que estou carente?



Ela atendeu ao seu pedido com um beijo espontâneo, desses que só a paixão é capaz de elucidar.



Subiram às escadas e tão logo parecia que o pequeno universo do casal os aguardava. Era surpreendente! Pétalas de rosas lançadas por diferentes lados, velas perfumadas acompanhavam os rodapés do quarto, muitos bombons sobre a cama, e sobre uma cômoda havia uma champanhe gelada. Israel observou cada pormenor, parando seu olhar em Lorena. Ele lhe sorri fascinado.



­ Ficou perfeito! Agora, vem cá! Vem cá, mulher! Minha mulher...



E os dois se beijaram mais uma vez. Depois Lorena decidiu colocar um CD para ouvir uma canção intitulada como “The Reason”, interpretada por um grupo chamado Hoobastank.



Dançaram com poesia e romantismo, e trocaram adjetivos eloquentes, apaixonados e sensuais.



­ Como escapar deste clichê? Mas tenho que dizer que te amo. - Israel proferiu.

­ O amor é falado em todas as línguas. É um sublime sentimento. E é por isso que eu também me orgulho de sentir o mesmo por você: eu te amo... – e ela, mais uma vez o beijou, ao som do “The Reason”.



Quem sabe era mesmo esse o destino que Deus traçara para eles. Mas de uma coisa Lorena tinha certeza: a felicidade, muitas vezes, é construída por sacrifícios, passando por caminhos dificultosos, mas determinantes para se alcançar a eficácia e os valores morais. E onde há felicidade, há amor; este sentimento tão nobre que é capaz de promover a plenitude, enfim, a plenitude de que é capaz o ser humano.

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