Você é um chato?


Com uma dose de autocrítica, é possível percebermos quando, como e por que estamos aborrecendo os outros ou nos tornando inconvenientes.

Ser chato é uma doença que ataca até as pessoas mais inteligentes. Alguns para se prevenir deixam de dar suas opiniões ou, ao falar em público, gaguejam, ficam vermelhos, dizem bobagens... Tudo por ansiedade e vergonha. Claro que a emenda é pior que o soneto, pois se acaba caindo naquilo que se quer evitar; a chatice.

No dia-a-dia ela se manifesta sorrateiramente, mas de forma eficaz. Há os donos da verdade, os que nunca prestam atenção à conversa, os que são do contra. Outros tem o hábito de se auto-elogiarem ou, pelo contrário, vivem enumerando os seus defeitos, num desfile de inesgotáveis e aborrecidíssimas falhas. E há o chato convicto, que fala grudadinho, cutucando, pegando no braço da gente. É só ele aparecer que o bate-papo esmorece e  grupo se dispersa.

O mais curioso é que mesmo pessoas prestativas e que tem confiança na sua capacidade e aparência se tornam inseguras e acreditam estar sendo chatas quando falam de seus problemas para os outros. Talvez isto explique  por que muitos encontros que poderiam dar certo fracassam; ou o diálogo não flui ou há conversa demais.

Alás, o chato dificilmente sabe quando parar de falar. O ouvinte já está de pé na porta chamando o elevador, dando partida no carro, e eles ainda tem algo a acrescentar. Sempre fazem perguntas e quase nunca falam o que realmente pensam e sabem. Gostam de citar os que os outros disseram, o que eles leram, as fofocas do dia. Embora a preocupação consigo seja uma constante, isso nada mais é do que uma grande tentativa de preencher um enorme vazio, um imenso desconhecimento de sua própria pessoa.

Há casos em que esse defeito crônico não exclui a competência e a segurança. Só que a chatice predomina como característica e os demais tende a ver a pessoa como menos capaz, menos segura... menos tudo! O agravante, no entanto, é que a maioria dos chatos não tem noção de sua chatice, que se revela pelo modo em que se relacionam com os outros.


EGOCENTRISMO NEGATIVO   

Gente assim está sempre se queixando. Suas conversas não giram em torno de sua própria pessoa, como também são negativas. Estão sempre achando que não fizeram as coisas tão bem quanto poderiam, que vai chover justo quando terminarem de pendurar as roupas no varal, que vão se esquecer de um compromisso importante ou não vão acertar a roupa adequada para uma festa.


BANALIDADE   

A conversa se estende em detalhes sem importância e já de conhecimento comum. São pessoas que gastam um tempão para explicar como se descascam batatas e contam tudo nos pormenores, tintim por tintim. Para dizer que gastaram muito na feira, começam a falar a que horas acordaram, o que serviram no café da manhã e a que programa assistiram ao sair de casa. Podem até confundir os dias e contar coisas passadas como se fossem atuais.


POUCA AFETIVIDADE

Os chatos desse grupo contam tudo com a mesma cara e no mesmo tom de voz. Parecem nunca   estar envolvidos com os acontecimentos. São aqueles que em vez de se entusiasmarem com o presente deixam para abri-lo depois ou, se forem assaltados na rua, limita-se a dizer o valor das peças roubadas, jamais mencionando se o coração disparou.


PREOCUPAÇÃO CONSIGO MESMA

Pessoas desse grupo querem sempre monopolizar a conversa,  falando de suas próprias habilidades, seus próprios problemas, suas experiências passadas ou atuais. São praticamente incapazes de ouvir alguém contar algo sem logo relacionar um caso semelhante. Acham que conhecem praticamente todos os assuntos e que já viram de tudo na vida. Tem opinião formada sobre qualquer coisa e , é óbvio, tentam convencer os outros de que suas histórias e experiências são bem mais interessantes.


SERIEDADE EXCESSIVA

Gente assim raramente sorri e leva tudo muito a sério. Em vez de rir de uma piada, quer explicar o seu fundo moral e, quando conta uma, ri sozinha antes de iniciá-la ou começa e depois se esquece do final. Transforma problemas em estratégia e até é capaz de ir visitar um doente no hospital e dizer-lhe que está fazendo uma corrente de oração para que ele escape com vida.


SOLICITUDE

São pessoas que querem impressionar tanto e tão bem, que conseguem exatamente o efeito contrário. Levam tanto tempo para enfeitar a comida, que ela chega a esfriar à mesa, ou passam horas escolhendo a roupa apropriada que atrasam o encontro


EXPRESSÃO DE TÉDIO

Quem se enquadra nessa categoria fala devagar, sem energia. Leva um tempão para contar uma história como se ela própria se aborrecessem por ter que dizer alguma coisa. Como variante, há quem faça digressões. Fica conversando bem baixinho e muitas vezes se interrompem e se perguntam; "Onde é que eu estava?" , "Do que eu estava falando mesmo?"


FALTA DE OBJETIVIDADE

A pessoa faz e fala tanta coisa ao mesmo tempo, que deixa tudo interrompido. Nada tem começo, meio e fim. Inventa palavras, usa expressões infantilizadas, faz trejeitos e nem percebem a sua dispersão.


Como dificilmente mesmo as pessoas mais próximas nos avisam que estamos sendo chatos e nós também temos escrúpulos em perguntar, o que acaba acontecendo é que muitas vezes pensamos em estar aborrecendo quando, na verdade, não estamos. Ou ao contrário; somos chatos, sem saber e , portanto, nada fazemos para mudar.

Em  ambos os casos é importante dizer aos outros o que você está percebendo, pensando e sentindo, sem esquecer de ouvir o que eles tem a falar. Assim, você está percebendo, pensando e sentido, sem esquecer de  ouvir o que eles tem  a falar. Assim você poderá saber se se trata mesmo de chatice ou apenas um medo irracional de não ser aceito e respeitado. Procure aprender com as respostas e, se for o caso, tente identificar no que você foi ou testar sendo inconveniente.

É bom lembrar que, vez ou outra, ninguém resiste a uma "crise aguda" de chatice. Afinal, não precisamos cativar o tempo inteiro, nem todas as pessoas que conhecemos. Eventualmente podemos até sentir certo prazer em aborrecer um pouco o próximo. Há horas que surge uma vontade incontrolável de dar uma espetadinha em alguém e, com jeito, a gente consegue. Ser chato de propósito é um delicioso pecado venial. Se bem dosado, serve inclusive para testar a paciência do outro e do próprio poder. Requer até mesmo uma pitada de criatividade. 

Agora, a chatice constante, esta sim, deve ser evitada. Basta um pouco de cuidado. Numa conversa, por exemplo, procure ser objetivo, fazendo-se entender e compreender. Preste realmente atenção no que os outros dizem e não no que você está pensando ou achando que eles estão dizendo. Para que haja diálogo e entusiasmo mútuo as pessoas precisam ter certeza de que estão falando dentro de um mesmo código e se entendendo dentro de uma mesma perspectiva. Isso "esquenta" a conversa, gera aproximação, sentimentos de afinidades e, portanto, afugenta a malfadada chatice.

(Texto baseado no relato da psicóloga clínica Ana Fraiman, Revista Cláudia).

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